Entrevistamos o doutor e bioquímico Artur Pedro Moes, que atualmente trabalha no laboratório Biocenas como bolsista Qualitec. Artur Moes é graduado em Biologia e possui mestrado em Biocências Nucleares, tem experiência na área de Bioquímica, atuando principalmente com fotografia e divulgação científica. A conversa se desenrolou em torno das pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Fotografia Científica Ambiental-BioCenas, que faz parte do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (LARAMG) do Departamento de Biofísica e Biometria, do IBRAG (UERJ).

Leia abaixo a entrevista que tivemos com ele:

 

Para começar, gostaríamos de saber como surgiu o seu interesse pela fotografia científica ambiental? Como você explicaria esse gênero fotográfico para os nossos leitores?

Eu tenho licenciatura em Biologia e vim para UERJ fazer mestrado e doutorado em uma área completamente diferente da fotografia; ambos eram na área de bioquímica. Quando escolhi fazer a graduação em Biologia eu gostava muito de estar em campo e durante o mestrado e doutorado, que foi muito laboratorial, eu sentia muita falta de estar em campo, de estar junto da natureza e próximo à sociedade.

O meu projeto em bioquímica vai demorar no mínimo uns 20 anos para atingir a sociedade de alguma forma; infelizmente, esse é o problema da bioquímica básica. Eu sentia muita falta de levar algo do meu trabalho para a sociedade e estar presente no meio ambiente. No meu doutorado, eu puxei uma disciplina da Ecologia chamada “’Fotografia cientifica ambiental’”, uma eletiva, era uma chance de sair do ambiente de laboratório.

Fiz a disciplina com o professor Antônio Carlos de Freitas, já existia um núcleo de fotografia cientifica ambiental e a disciplina também, muito comentada pelos alunos. Me encantei e foi a chance de estar no mato trabalhando, e a partir disso eu comecei a colaborar com eles. Já no meu doutorado eu já fazia muitas colaborações com o núcleo. Eu via uma chance do meu trabalho atingir mais imediatamente o público, quando se faz uma foto você tem algo para dizer de imediato, diferente de um trabalho bioquímico que você passa por uma série de etapas até aquilo atingir o público.

A fotografia científica é muito voltada para jornalismo e não é nova. A maioria dos grandes parques que existem no mundo foram construídos por causa dessas fotografias. Por exemplo, YellowStone (EUA) foi criado a partir de imagens, pois com elas foram feitas formas de sensibilizar o público para a área ser preservada.

Logo, a fotografia cientifica ambiental tem esse papel de conscientizar a sociedade e tem características de ser pouca subjetiva. Vamos muito no cerne da questão, se precisamos registrar um bicho, ele é registrado da melhor forma possível sem ter muito espaço para a subjetividade que se tem na fotografia em geral. Não é artística, ela é muito técnica e muito voltado a objetivos específicos.

A fotografia cientifica também tem uma ideia de que a fotografia não é apenas uma ilustração e pode ser um dado, no qual você vai tirar resultados sobre algumas questões. Nós trabalhamos com camuflagem, quantificando coisas e avaliando algumas características do animal que você só consegue verificar, normalmente, visualmente. Temos um compromisso com a comunicação, meio ambiente e com a ideia de que a fotografia pode gerar resultados.

Quando entrei para o laboratório, eu firmei isso, já existiam linhas de trabalho que usavam fotografias como dados e isso era muito interessante, pois, diferente de outras vertentes, nós não interferimos no animal, fazemos coleta sem ter que retirar o animal de local. Nossa filosofia é interferir o menos possível. Vamos ao ambiente e fazemos o registro de 80% do que precisamos no ambiente. Nós trabalhamos com comportamento e não se consegue “mimetizar” um comportamento do animal em laboratório, precisa-se registrar em vida selvagem.

Eventualmente, alguns bichos vêm para o laboratório para registramos coisas que são muito mais específicas.

 

Você integra a equipe do BioCenas, um laboratório de fotografia ambiental do Instituto de Biologia da UERJ. Segundo o folder de apresentação do laboratório, o “BioCenas acredita no poder da fotografia, não só como forma de obtenção de dados para pesquisa, mas também como elemento sensibilizador da sociedade a respeito das questões ambientais”. Fale um pouco sobre o laboratório para quem não o conhece. O que o BioCenas propõe com a fotografia científica ambiental?

O Laboratório de Fotografia Cientifica Ambiental surge com o professor Antônio Carlos Freitas, professor do IBRAG (Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes), que funciona dentro de um laboratório que fala de mudanças globais, o LARAMG (Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais). A minha vinda para o núcleo foi em 2016. Nós estabelecemos uma unidade de desenvolvimento tecnológico e, enquanto laboratório de fotografia, prezamos pela qualidade da imagem. Sempre vimos que o pessoal da biologia produzia muitas imagens para os seus trabalhos, mas muitas vezes essas imagens eram carentes de qualidade técnica.

Nós começamos a reunir esforços para ajudar o pessoal da biologia a produzir um material fotográfico de qualidade; está sempre no cerne do nosso trabalho a qualidade.

Podemos dividir nosso laboratório em duas vertentes principais, a parte da pesquisa e análise de dados, fazer levantamentos de biodiversidade e ir até o local e verificar que os organismos existem, registrar comportamentos e quantificar os organismos que existem usando a fotografia.

É muito mais fácil ir no mato, fotografar tudo e depois levar as imagens para cada especialista de cada área identificar do que levar uma equipe enorme de pesquisadores para cada um trabalhar na sua aérea.

Temos também a parte de divulgação cientifica, que tem como objetivo divulgar a ciência para sociedade, temos que a imagem é uma ferramenta muito fácil de transmitir informações e que ultrapassa geralmente a barreira linguística, nós conseguimos através de imagem transmitir uma mensagem ou causar uma sensação nas pessoas, sempre voltado para a ideia da preservação ambiental.

Nessa vertente, costumamos fazer exposições de projetos da Faperj e temos publicações de alguns livros voltados para fotografias, cedemos material para livros e possuímos um banco de imagens em que os pesquisadores tem acesso para ilustrar seus trabalhos.

Temos tentando levar essas imagens cada vez mais para o público, por meio de redes sociais para causar uma mobilização nessas pessoas.

Fonte: BioCenas

Quais projetos de extensão e de pesquisa são atualmente desenvolvidos pelo BioCenas?

Na área da pesquisa, como eu já falei, a gente tem a parte de análise de dados, analise de imagens e levantamento de biodiversidade. Então a gente tem feito isso e tornado isso mais forte, mas é uma coisa que está começando agora no Brasil. A parte de análise de imagens sempre foi muito voltada para parte de imagens de satélite, e a gente está tentando trazer essa realidade para o meio ambiente. Como projetos de extensão, nós já temos a disciplina de fotografia que sempre foi oferecida para as pós-graduações, não só para o RJ, mas para outros estados do Brasil como: Amazônia e Florianópolis.

Temos colaborações com uma serie de universidades no Brasil para oferecer a disciplina de fotografia para a pós-graduação, uma ideia que temos de qualificar nossos biólogos e ambientalistas a fazer bons registros.

Em termos de projetos de extensão, nós temos dois que são principais. A revista de fotografia científica ambiental é um projeto mais voltado à comunidade acadêmica, porque nós temos uma dificuldade muito grande de publicar artigos e informações que sejam relativos a fotografia do meio ambiente. Não temos muito recursos para a publicação desses trabalhos, então nós fundamos aqui na UERJ a revista para publicação desses trabalhos, cujo nome é Revista de Fotografia Científica Ambiental, e tentamos manter a revista, que é online, com uma linguagem simples, para tentar atingir o máximo de público possível.

Nós temos também um curso de fotografia ambiental que é voltado para o público em geral. Temos poucos recursos financeiros e muita demanda das pessoas que tem acesso as nossas imagens, tentamos gerar um curso de baixo custo para a população em geral ter acesso a técnica fotográfica do meio ambiente. O curso é dado no Rio de Janeiro, porém estamos vendo a possibilidade de leva-lo para outros lugares por meio da Unidade de Desenvolvimento de Tecnologia (UDT), o BioCenas.

Um outro projeto que possuímos é um apoio didático ao ensino de ciência, registrado como projeto de extensão. O objetivo é a produção de material didático para aulas práticas do ensino de ciências no ensino fundamental e física, química e biologia no ensino médio. Estamos trabalhando com a ideia de produzir materiais para os professores conseguirem dar aulas práticas. Então, a gente está construindo coisas que envolvam imagens, como, por exemplo, jogo da memória, em parcerias com outros laboratórios para que os professores consigam ter um roteiro de aulas práticas em escola.

Um outro projeto que estamos envolvidos é o projeto de popularização de ciência na educação básica, que funciona em sete escolas aqui no Rio Janeiro desde 2009. Atinge alunos e professores da rede pública da cidade do Rio de Janeiro e uma escola em Nova Iguaçu. O projeto leva professores e pesquisadores para apresentarem nas escolas de maneira simples o que eles têm feito dentro da universidade. E alguns desses alunos acabam vindo para a universidade fazer pequenos estágios dentro dos laboratórios, para ter essa vivência acadêmica e ter essa comunicação universidade-escola.

Um outro projeto que a gente também está envolvido, mas que não é um projeto nosso, é o projeto da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, que é da professora Sonia Barbosa, o projeto anterior é da professora Thereza Christina Barja, lá do IBRAG também. Ele visa levar também a informação acadêmica para as escolas. Então, por exemplo, no ano retrasado, nós participamos fazendo uma exposição sobre a matemática nos padrões da natureza e esse ano o tema foi a água. É um projeto muito interessante, porque leva as crianças de escolas dali de Angra dos Reis para o CEADS, que é o Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável, para que elas tenham uma vivência dentro desse ambiente acadêmico e lá elas recebem uma série de instruções de vários professores, inclusive sobre o que a gente faz no laboratório BioCenas.

Por fim, também temos uma parceria com o Museu da Vida da Fiocruz, em que a gente atua oferecendo oficinas sobre fotografia científica ambiental para crianças de escolas públicas do entorno da Fiocruz, ali em Manguinhos. A gente já fez essa oficina uma vez, foi muito interessante, e, por isso, estamos pretendendo fazer esse ano novamente.

No BioCenas, vocês trabalham também com macrofotografia, técnica que revela detalhes imperceptíveis a olho nu. Como a macrofotografia é útil aos objetivos acadêmicos do laboratório?

Estamos sempre muito ligados à qualidade da imagem e, por vezes, para a pesquisa ou, até mesmo, para a divulgação científica, precisamos registrar detalhes muito pequenos do que aquele organismo tem. Uma alternativa, que teríamos para registrar esses detalhes, seria retirar o bicho da natureza, trazer para o laboratório e fazer essa observação via microscópio. A macrofotografia é uma técnica fotográfica muito específica e bem técnica mesmo, que permite que, no ambiente, a gente registre os detalhes com muita qualidade. Por vezes, conseguimos uma qualidade superior até a que um microscópio ótico comum conseguiria. Então, a macrofotografia tem essa importância de trazer esses pequenos detalhes e até esses pequenos organismos.

Para quem não está familiarizado com a fotografia, frequentemente só se quer fotografar um besouro e pegamos tudo na imagem. O besouro acaba se tornando apenas um pontinho na imagem. Na macrofotografia, conseguimos trazer esse besouro, que é um organismo muito pequeno, para um tamanho aceitável para que as pessoas observem esse besouro. Então, essa é a função da macrofotografia e no que a gente atua, nós conseguimos esses registros com muita qualidade.

É uma técnica, que é pouca trabalhada nas escolas de fotografia no Brasil, não é muito bem abordada. E é um assunto que nós dominamos, por conta dessa necessidade. Para um registro macro, nós utilizamos câmeras comuns, só que as objetivas (que as pessoas geralmente chamam de lentes) são específicas para a macrofotografia e permitem uma ampliação do tamanho real do objeto ou até superior. Trabalhamos adequando uma série de equipamentos para conseguir ampliações de 4, 5 ou 6 vezes maior do tamanho real do objeto em campo. Essa técnica faz com que não seja necessário o uso de microscópio ou que uma amostra seja tratada de uma forma muito específica. Mesmo que a gente precise levar o animal para o laboratório para fotografar esse detalhe, nós não precisamos sacrificar esse animal e podemos retorná-lo à natureza sem precisar passá-lo por um tratamento, que às vezes, uma microscopia requer.

É importante dizer que, quando damos oficinas de macrofotografia, nós pedimos que os alunos levem seus equipamentos, pois é muito importante que cada um aprenda a utilizar a técnica no equipamento que possui. Nós ensinamos a eles as técnicas básicas para qualquer tipo de equipamento. Exceto quando damos oficinas na Fiocruz, por exemplo, pois como os alunos não possuem aquele equipamento, a própria Fiocruz fornece.

O interessante é que os alunos saem do curso sabendo utilizar a técnica no seu próprio equipamento (com as limitações que aquele aparelho possui), mas também aprendem a técnica que precisa ser usada em um equipamento mais complexo. A gente não pode exigir que um biólogo vá a campo com um equipamento avançado como o meu, pois às vezes o aparelho pesa em torno de 5 a 6 quilos. A nossa preocupação é que ele saia da disciplina sabendo utilizar a técnica no equipamento que ele possui e pode levar para a natureza.

Fonte: BioCenas

O BioCenas produz significativa quantidade de dados e informações científicas relevantes tanto para a comunidade acadêmica, quanto para a sociedade civil interessada. Como se dá a transmissão desse material para esses diferentes públicos? A seu ver, qual deveria ser o papel da comunicação científica (em especial em sua área, a Biologia) para o desenvolvimento da sociedade brasileira?

A transmissão desse material para o público é feita através de publicações em redes sociais, fornecimento de material para livros didáticos (nós temos dois livros didáticos publicados com imagens do Biocenas) e exposições das imagens, geralmente. Por exemplo, a exposição ”Mata Atlântica”, que vai inaugurar março, é uma tentativa de trazer para a sociedade essas imagens com um viés de educação ambiental e de preservação. Por estarmos sediados no Rio de Janeiro, nós baseamos nossos trabalhos aqui e por isso, esses trabalhos acabam sendo voltados para a Mata Atlântica.

Já para a comunidade científica em geral, nós também fornecemos o nosso material através de bancos de imagens. Por exemplo, se um pesquisador nos solicita uma foto de um tamanduá bandeira, nós procuramos no nosso acervo uma foto que vá servir para o trabalho desse pesquisador.

Além disso, nós também temos um site que é o “Biodiversidade para todos” (biotodos.uerj.br) e essa página traz imagens com informações para o público em geral. Por exemplo, uma criança pode acessar esse site, fazer uma pesquisa e usar essas imagens para seus trabalhos escolares.

Sobre o papel da comunicação científica, eu penso que nós, enquanto cientistas e pesquisadores dentro da universidade, precisamos levar a informação do que a gente faz para o público. E fazer isso não é, somente, publicar um artigo científico, porque a sociedade não tem acesso imediato a essas informações. São informações complexas e de difícil acesso para quem não é da academia. Então, a gente tem trabalhado muito a ideia de que a fotografia é uma ferramenta fácil de levar essas informações para as pessoas. Acho que nós temos que assumir um compromisso com o dinheiro público, pois são essas pessoas que pagam, através dos seus impostos, para que essas pesquisas aconteçam e, por isso, precisam ter esse retorno.

Nem toda pesquisa vai trazer de imediato um retorno a sociedade, mas hoje em dia estamos vendo o quão importante é uma sociedade que valoriza o que é feito dentro de uma universidade. E isso não vai acontecer se a gente não pegar o material que a gente produz e levar para a sociedade. Então, a gente trabalha muito a ideia de publicar as nossas imagens e através da imagem, de repente, passar uma informação que nem é nossa, mas é do profissional que trabalha com o caramujo, por exemplo, e transformar isso em uma informação mais palatável para o público em geral.

 

Em suas pesquisas, a equipe do BioCenas está em contato direto com o ambiente natural fotografado. Como você percebe essa relação entre pesquisador e meio ambiente, intermediada pela fotografia?

Essa é uma relação que é muito peculiar para nós. A gente é muito privilegiado de poder estar no meio ambiente e trabalhar nessa interface entre a beleza e a ciência. Então, vários dos nossos trabalhos envolvem ciência e arte, por exemplo.

Nós temos a chance de estar em vários locais que muitas pessoas não estão e isso é muito bacana. Nós, como pesquisadores, acabamos tendo um desejo de contemplação maior do que, as vezes, nós observamos em outros. Não estamos ali somente para coletar um bicho, trabalhar naquele substrato ou fazer um trabalho muito especifico, nós temos a chance de registrar tudo o que estamos vendo, temos a chance de vivenciar o ambiente de uma maneira muito ampla.

Por exemplo, um profissional que trabalha com um peixe vai para campo só para pegar aquele peixe e nós acabamos tendo acesso a tudo. Ou seja, por mais que a gente tenha uma pauta, nós não vamos deixar de registrar outras coisas, a imagem está ali e a gente registra isso. A nossa relação com a natureza é sempre uma relação de muita contemplação e de privilégio.

Fonte: BioCenas

A cidade do Rio de Janeiro densamente urbanizada e desflorestada também é objeto de interesse para vocês?

O Rio de Janeiro é o nosso principal objeto de pesquisa, a maior parte dos nossos dados e das nossas imagens são da Mata Atlântica do Rio de janeiro. A cidade do Rio gera extremo impacto na floresta. A Mata Atlântica, hoje, é um percentual muito pequeno do que ela já foi um dia. Mas, ainda assim, temos fragmentos muito importantes da Mata Atlântica e temos como foco, justamente, esses fragmentos.

Nós desenvolvemos trabalhos na Reserva Biológica União, na Reserva de Ilha Grande e na Floresta da Tijuca (que não é mais mata original, é mata secundária/reflorestada), que configura um fragmento importante de Mata Atlântica e é o nosso principal foco de trabalho. O pouco que restou, ainda é muito significativo.

Nós também temos um trabalho feito, especificamente, com micos. Vale destacar que a população de micos do Rio de Janeiro é praticamente toda invasora, não é daqui. Os animais que conhecemos como “micos” são do gênero “Callithrix” e temos três espécies que ocorrem no Rio de Janeiro, sendo duas delas invasoras da região nordeste. E essa migração foi ocasionada por duas vias: uma natural e outra ocasionada pelo homem, visto que são animais muito domesticáveis. Existe uma espécie, que é a mais ameaçada de todas, conhecida como “Callithrix aurita”, que configura a população a nativa da mata Atlântica. Ela só existe em pouquíssimos fragmentos de Mata Atlântica do Rio de Janeiro, são poucos os registro na cidade do Rio e mais em fragmentos afastados da cidade, justamente porque essa população não se adapta tão bem ao contato humano. Só que vale destacar que o registro de espécies que ocorrem no meio urbano é interessante para a gente, porque querendo ou não, são espécies que estão nessa interface e podem estar mais ou menos ameaçadas e porque são espécies que são fáceis da gente trabalhar, já que a população reconhece aquele animal.

Um dos nossos trabalhos é, justamente, entender que a população não preserva aquilo que não conhece.  Ela precisa conhecer e reconhecer para preservar. Não tem como você preservar algo que você não tem conhecimento que existe. Então, essas espécies são interessantes para o nosso trabalho, porque as pessoas têm contato com elas.

Infelizmente nem sempre esse contato é um contato saudável, mas existem alguns trabalhos nos quais estamos nos empenhando, onde a população venha a fazer registros dessas espécies, para que nós possamos traçar um mapa de ocorrência desses animais. Se eu começo a ver que existem, por exemplo, Tatus aparecendo em uma determinada região, isso é um importante sinal acadêmico. Esse fato mostra que naquele lugar, existe uma população que, de repente, precisa ser preservada. Um exemplo disso: com a epidemia do vírus da “Chikungunya” e da “Febre Amarela”, a população começou a registrar alguns animais doentes e, até mesmo, animais sendo atacados pela população.

É importante que a gente trabalhe com esses registros que, na maioria das vezes são registros fotográficos, pois nos permitem identificar de que organismos se tratam, onde eles estão ocorrendo, porque eles estão ocorrendo naquela região, se é um local de travessia desses organismos etc. Esses registros são importantes, muito embora, não seja o foco do laboratório.

Geralmente, trabalhamos em fragmentos de mata, mas esses dados servem para submissões em alguns editais/trabalhos voltados para registros da população. A ideia de ciência cidadã é, justamente, o cidadão trazendo uma informação por meio de imagens da flora e da fauna do local onde ele reside e isso é muito importante. Hoje, temos registros de espécies que eram consideradas extintas, por exemplo.

 

A última exposição produzida pelo laboratório foi “Olhar sobre as águas”, realizada no mês de outubro em Ilha Grande. O BioCenas costuma organizar exposições e cursos abertos ao público em geral. Como você enxerga a importância dessa relação entre universidade e sociedade?

Como eu disse antes, acho que é fundamental, essa relação precisa ocorrer cada dia mais ou a sociedade não vai ver/entender a importância da universidade. A sociedade não vai conseguir ver isso, se a gente não inserir a sociedade nas nossa ações. A forma que a gente faz isso, em geral, é através de exposições. A gente tem conseguido um sucesso bem interessante em trazer questões ambientais através dessas exposições que a gente executa. Mais uma vez, destaco que as pessoas precisam conhecer para reconhecer e preservar. A gente tem essa filosofia de que a pessoa só preserva aquilo que ela conhece. Não adianta dizer para a pessoa para não matar um bicho que ela não vê ou não reconhece, porque ela não sabe a importância daquilo.

O trabalho que a gente fez, por exemplo, na Fiocruz, gerou uma exposição. Não havia uma foto minha nessa exposição. As fotos eram dos próprios alunos e, até hoje, eles continuam produzindo material e me mandando nas redes sociais. Isso faz com que eles tenham um senso, uma conscientização do meio ambiente e da importância de preservar.

A gente costuma dizer que o nosso trabalho deixa pegadas e retira os registros fotográficos. Logo, não estamos tirando nada da natureza, além de fotos e ao mesmo tempo, estamos deixando pegadas. Os alunos não precisam arrancar uma planta, por exemplo, eles podem fotografá-la. E com as redes sociais, eles publicam essas fotos e recebem o reconhecimento sobre o registro que eles fizeram e essa é uma troca muito interessante.

Outro trabalho, que é importante citar, será a exposição sobre a Mata Atlântica que vai estrear no dia 11 de março no Ceads UERJ – Campus Ilha Grande. Nesta exposição, estamos preparando uma pesquisa de opinião para saber o que o público gosta de observar e como ele gosta de ter contato com o material. Isso é muito importante para nós, visto que precisamos entender como o público vai absorver essas informações que estamos passando e também para tentar melhorar a forma que vamos transmitir essas informações. Para isso, estamos submetendo, por exemplo, um questionário à Plataforma Brasil, que vamos aplicar nessa exposição. A ideia será entender esses pontos a partir de faixa etária, nível de escolaridade etc. O objetivo é, justamente, entender que tipo de abordagem usar para cada público.

Fonte: BioCenas

No caso específico da exposição em Ilha Grande como você percebe a relação de troca estabelecida com as pessoas da comunidade local?

Essa troca foi muito legal. A exposição “Olhar sobre as águas” foi um trabalho da professora Sônia, que reuniu alunos de várias escolas de Angra dos Reis. Nós elegemos alunos de cada uma dessas escolas, que seriam os representantes das praias. Esses alunos ficaram com a gente de um dia para o outro no Ceads, juntamente com os professores, tendo várias oficinas e realizando vários trabalhos ao mesmo tempo que entendiam a importância do que a gente faz lá no Ceads. Feito isso, nós pedimos que eles pensassem o que eles poderiam fazer de efetivo para impactar a comunidade deles, no quesito preservação das águas. O resultado do trabalho foi uma exposição em que mostrávamos as relações que nós temos com a água e que, às vezes, não são percebidas de imediato.

Um exemplo, seria como a chuva impacta o ambiente. Nós mostramos vários organismos que dependem única e exclusivamente da chuva para sobreviver. Mostramos também a relação do homem com os rios e com o mar, por exemplo. Analisamos o que o mar traz de benfeitoria para o homem e o que o homem leva em troca para o mar (o que costuma ser só impacto, infelizmente) e o que ocasiona essas trocas.

Então, a gente fez uma exposição tentando mostrar para eles, justamente, essa relação e foi muito produtivo, muito interessante. O feedback das crianças foi bem bacana. Infelizmente, não deu tempo de fazermos uma oficina especificamente em fotografia para eles. Mas a exposição em si, gerou neles uma outra visão do meio ambiente e é sempre muito gratificante essa relação.

 

Segundo Henri Cartier-Bresson, de todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Para você, o que a fotografia científica busca eternizar?

Vou me permitir filosofar na resposta também (risos). Quando falamos de fotografia científica ambiental, ao contrário do que Cartier-Bresson propõe, estamos sempre registrando mudanças. É triste pensar que essas mudanças, que são registradas, configuram mudanças ambientais ocasionadas pelo homem, que não sabemos onde vai parar. Então, nós temos registros felizes de algo que a gente não sabe se vai existir daqui a pouco, por isso falo uso o termo “mudança”.

Eu torço para que as minhas imagens não virem um memorial triste do que tínhamos e perdemos. Em nossos arquivos, nós temos uma série de registros históricos de animais que já não existem mais. É muito triste, você observar algo tão belo/interessante que agora ninguém mais vai ter a oportunidade de ver.

Por isso, estamos torcendo para que o nosso esforço de registrar a diversidade não vire um memorial/cemitério de organismos que não existem mais. Queremos eternizar essas mudanças para mostrar à sociedade que as mesmas precisam parar, ou a gente vai perder tudo isso.

Por fim, eu gostaria de deixar nossas redes sociais: nossos perfis no Facebook e Instagram são @biocenas e também temos o contato biocenas.uerj@gmail.com, que estão abertos para qualquer pessoa que possua dúvidas ou curiosidades sobre o nosso projeto.

 

Entrevista com Artur Pedro Moes – Biocenas