Juliana Nascimento*

 

Pintado em cores vibrantes, lá estava ele, Pixinguinha (1897-1973). Tão grande quanto seu talento é o tamanho daquela obra de arte, que ocupa toda lateral do Museu da Imagem e do Som, no bairro da Lapa, zona central do Rio de Janeiro. De imediato, duas coisas passaram pela minha cabeça: há quanto tempo aquela exuberância toda estava ali e como pôde ter passado despercebida por mim?

Fernando Cazé (artista muralista) e Pedro Rajão (produtor cultural e pesquisador) são os idealizadores do projeto Negro Muro, que usa a arte urbana para trazer personalidades negras para um lugar de destaque e se contrapor a narrativa colonizadora presente na arquitetura, nas ruas e nos monumentos carioca. O projeto acaba de completar cinco anos de atividades e, nesse período, foram realizadas mais de 60 intervenções artísticas, como a de Pixinguinha, pela cidade do Rio de Janeiro. Em Encantado, Madureira, Todos os Santos, Água Santa, Coelho da Rocha e muitos outros bairros.

Pixinguinha, ou Alfredo da Rocha Vianna Filho, para os que não têm tanta intimidade, foi compositor, arranjador, maestro e instrumentista; um ícone do choro, gênero que se tornou Patrimônio Cultural do Brasil, reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A Lapa foi escolhida para homenagear esse ilustre suburbano (nascido em Piedade, zona norte) justamente por ter sido o local onde ele começou sua carreira profissional como músico. Pixinguinha se apresentava informalmente em um bar local e fez tanto sucesso entre os frequentadores que logo foi contratado, com apenas 15 anos. Pouco tempo depois fez sua estreia na orquestra da peça “Chegou Neves”, regida pelo maestro Paulino Sacramento.  

“Meu coração, não sei por que, bate feliz quando te vê. E os meus olhos ficam sorrindo e pelas ruas vão te seguindo”. Esses versos são de “Carinhoso”, composição de Pixinguinha em parceria com Braguinha que se tornou a mais regravada do Brasil. Segundo o levantamento do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), foram 411 regravações. Até quem acredita que não conhece já ouviu pelo menos um trecho dessa canção, nem que seja cantarolado pelos seus avós.

Tive contato com Pedro Rajão quando ele esteve presente na aula de campo do curso “Deriva na Lapa” – que discute a cidade a partir da escrita, produção cultural e da rua – organizado por Victor Belart do Cidade Pirata, em parceria com o PPGCom UERJ e a Fundição Progresso. Durante a caminhada matinal, Rajão guiou nossos olhares para detalhes da obra, falou sobre o processo de pesquisa e das dificuldades que precisaram superar para pintar a lateral do Museu da Imagem e do Som, que é um imóvel tombado.

A Lapa pode garantir uma experiência bem diferente dependendo do horário que ela é frequentada. No auge da minha juventude, 2003, com 19 anos, meus finais de semana eram sempre por ali, mas o painel do Pixinguinha foi pintado bem depois, em 2021. Ouvir o Rajão e participar do Deriva me permitiu consumir uma outra Lapa, diferente, com sol, com outros sons, cheiros, uma sensação maior de segurança – ampara pelo grupo e pela luz do dia – sem a maquiagem que a noite e o golinho a mais de álcool deixa nos lugares e nas pessoas.

Cada obra do Negro Muro é acompanhada de um QR code que dá acesso as lives dos processos de pintura. O objetivo, segundo o site oficial, é que as pessoas que passam pela rua possam conhecer mais sobre o trabalho, fotografar as artes, usarem nas redes sociais e colaborarem expandindo o conteúdo sobre as histórias que a História não conta. Segundo Rajão, em declaração para a revista Em Tese (UFSC), a Cidade esconde muitas biografias: “O Brasil inteiro estuda Lima Barreto e o cara é cria do bairro onde nasci, o cara é do Méier, faz aniversário no mesmo dia da fundação do Méier e como a estátua dele não está lá?”

Lima Barreto (1881-1922) nasceu em Laranjeiras mas passou a maior parte de sua vida no Grande Méier, era jornalista e escritor. Sua genialidade não o isentou do racismo, grande parte de suas obras foram publicadas após sua morte. O Negro Muro se soma aos esforços de outros movimentos decoloniais para que quando a gente ouça sobre nomes de grande relevância na trajetoria da sociedade brasileira, nosso imaginário nos leve também para rostos negros, pintados, fotografados, em esculturas, monumentos, coloridos e bonitos.

*Estagiária do Lacon – UERJ

Com supervisão de João V. Bessa

Negro Muro Ativismo: Fui afetada por um muro bonito!