Iris Souza*

No dia 30 de outubro de 2024, o Conselho Federal de Medicina (CFM) entrou com um ação civil pública contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), questionando a reserva de 30% das vagas do Exame Nacional de Residência (Enare) para pessoas negras, indígenas e quilombolas e com deficiências nos programas de residência médica. 

O Enare — realizado em 20 de outubro de 2024 — ofereceu 4.854 vagas para residência médica e 3.789 vagas para residência multiprofissional distribuídas por todo o país. Cerca de 89 mil candidatos se inscreveram, e 80 mil compareceram às provas, realizadas em 60 municípios do Brasil. A ação foi movida na 3ª Vara Civel de Brasilia, no Tribunal de  Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

Em comunicado divulgado na mesma data, o CFM criticou a medida em seu portal oficial, afirmando que as cotas criaram uma “discriminação reversa” no ambiente medico. Segundo o órgão, a partir do ingresso aos cursos de medicina via cotas, as desigualdades socioeconômicas teriam sido equalizadas, ou seja, os médicos graduados teriam tido acesso à mesma formação. Defendeu que a seleção para residência deveria ser baseada exclusivamente no “mérito acadêmico”.

A Associação Médica Brasileira (AMB) também manifestou, através do seu site oficial, a sua oposição às cotas, argumentando que, ao concluírem o curso de medicina, todos os formandos possuem qualificação equivalente. Sendo assim, torna-se desnecessário o uso de critérios afirmativos na fase de especialização.

Resposta da  Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh)

No dia 1º de novembro, a Ebserh divulgou uma nota oficial em resposta às críticas. A empresa estatal vinculada ao Ministério da Educação, defendeu a constitucionalidade das políticas afirmativas, respaldadas pelo Supremo Tribunal Federal. A Ebserh destacou que as cotas visam garantir que o acesso às residências médicas e multiprofissionais reflita a diversidade demográfica do Brasil, contribuindo para um sistema de saúde mais inclusivo e equitativo.

A estatal enfatizou que apesar do ingresso via cotas nas universidades públicas, as desigualdades estruturais ainda persistem, dificultando o acesso de grupos vulnerabilizados aos programas de residência, principalmente devido aos altos custos de preparação e à forte concorrência.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também expressou apoio à política de cotas do Enare, afirmando que ainda há sub-representação de negros, indígenas e pessoas com deficiência nas residências e em outras modalidades de pós-graduação.

A disputa jurídica entre o CFM e a Ebserh sobre a implementação de cotas em residências médicas evidencia um conflito entre a busca pela equidade social e a defesa de um sistema de seleção baseado exclusivamente no mérito acadêmico. De um lado, o CFM sustenta que as cotas criam desigualdades ao favorecer determinados grupos, enquanto a Ebserh defende a medida como fundamental para refletir a diversidade demográfica e corrigir as desigualdades históricas no acesso à especialização médica. Agora, cabe à Justiça decidir sobre a validade dessas ações afirmativas, em um debate que reflete tensões sociais mais amplas no Brasil.

*Estagiária do Lacon-UERJ

Com supervisão de João V. Bessa

Referências

CFM entra na Justiça contra cotas na residência médica | Agência Brasil

 

Ebserh lança editais do PIT e PIC estimulando inclusão e diversidade com sistema de cotas

 

Comunicado oficial — Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

AMB se posiciona contrariamente às cotas nas Residências Médicas

CFM entra na Justiça contra cotas em residências médicas