*Por Amanda Reis, Larissa Carqueja e Rômulo Almeida | Março 2023

 

A partir do século XX, com a crescente valorização dos shows ao vivo, ocorre a popularização de festivais de música ao redor do mundo. Esses festivais surgem com o icônico Woodstock, realizado nos Estados Unidos em 1969, que reuniu mais de 400 mil pessoas, e hoje se consagram como eventos globalizados e de grande porte. Atraindo públicos diversificados e nichados, os festivais são alvo de grandes patrocinadores e contam com uma divulgação intensa voltada para um amplo alcance nas mídias tradicionais. Em suas estruturas modernas e gigantescas, artistas famosos no cenário nacional e internacional são as atrações principais, gerando um forte apelo massivo. Porém, à margem desses megaeventos, se encontram os festivais independentes, cada vez mais populares no país e no mundo. 

“Os Festivais indies, ou independentes, […] buscam encontrar meios alternativos aos investimentos das grandes gravadoras para garantir a sustentabilidade dos artistas independentes e o desenvolvimento da música nacional”, explica o Especialista em Gestão de Projetos Culturais Alexandre de Oliveira Junior, no trabalho “Festivais Independentes: Quando o lúdico se torna resistência” (JUNIOR, 2017, p. 4). Tendo como objeto de pesquisa festivais independentes que não se enquadram na indústria da música tradicional, Junior buscou relacionar esses eventos com articulações políticas de resistência. Para o trabalho de conclusão de curso da pós-graduação, o autor fez uso de estudo bibliográfico, se apoiando, sobretudo, nas teorias de Gramsci e John D. H. Downing.

O questionamento que guiou o estudo do autor é sobre como as tecnologias digitais atuam em uma nova dinâmica de divulgação de festivais e artistas, e como essa produção virtual torna mais valorizada a experiência de concertos ao vivo. Para desenvolver um pensamento sobre tal questão, é preciso entender primeiramente como a indústria da música se estruturou em um modelo fonográfico desde o século XX. A música era tratada como um bem de consumo, pelo qual era necessário pagar para ter uma experiência individual com o produto obtido. Logo, a experiência era limitada, com a restrição a aparelhos domésticos. 

No entanto, com a chegada de novas tecnologias, como o walkman e mp3 players, tornou-se possível levar essa experiência para locais públicos. Além disso, com o advento da internet e, consequentemente, a facilitação do acesso às redes, o compartilhamento das músicas, agora em formato digital, impactou significativamente a distribuição da indústria musical. Grandes gravadoras tiveram que se adaptar a essa nova realidade, na qual uma música era facilmente baixada de forma gratuita na rede. Além disso, artistas independentes que não tinham todo o suporte econômico para produzir e divulgar seus conteúdos, agora encontram mais oportunidades para a produção e distribuição de seus trabalhos.

Na análise do autor, com uma maior facilidade de consumo desse conteúdo por meio digital, a desvalorização da indústria fonográfica tradicional era inevitável. Esse foi o momento em que movimentos contra-hegemônicos se fortaleceram, e os festivais independentes ganharam força. De acordo com Junior, é possível entender que “na atualidade, os festivais independentes se popularizam num contexto em que a internet definitivamente superou a tevê como principal meio de divulgação da música nacional, sendo o compartilhamento livre essencial para o surgimento e fortalecimento de novos artistas” (JUNIOR, 2017, p.13).

Em resumo, ao argumentar sobre festivais de natureza não-hegemônica, Junior ressalta, principalmente, o papel do avanço tecnológico nas relações existentes entre produtores e consumidores no âmbito da música. Em “Festivais Independentes: quando o lúdico se torna resistência”, ele discorre sobre como a facilidade de acesso e as variadas possibilidades de compartilhamento de conteúdo foram fatores que transformaram a indústria musical.

Hoje, com um acesso mais facilitado em comparação com outras épocas, a disponibilidade de produções musicais a meros cliques de distância, apesar de agregar à experiência fonográfica, faz com que os consumidores busquem um novo caminho para aprofundar seus laços entre si, com o artista e até mesmo com a própria música. Junior ressalta a importância da experiência compartilhada entre o artista e o público – que tem gostos e valores em comum – para o sentimento de pertencimento a um grupo com o qual o indivíduo pode se identificar. 

Nesse contexto, ele aponta que os festivais de música desempenham um papel fundamental na manutenção do interesse do público, bem como nas relações estabelecidas entre produtor e consumidor da indústria musical. É importante ressaltar que, justamente por ser uma proposta bem aceita pelo público, os grandes festivais de música também se tornam oportunidades de gerar capital – e é neste momento que as mídias hegemônicas entram em cena e exercem seu papel na cultura de massa. O objeto deste estudo, no entanto, como descrito acima, não são os grandes festivais tradicionais, mas os festivais independentes, e como eles representam uma resistência contra a padronização da cultura. Neste sentido, as mídias contra-hegemônicas oferecem um poder de criação e participação para o público, uma vez que ele deixa de consumir e passa a utilizar de forma ativa bens da indústria cultural.

Sendo assim, o autor explora o caráter político presente nas formas culturais independentes, em especial, nos festivais de música. Ao estabelecer um posicionamento contra-hegemônico, esses espaços atingem seu potencial de revolução cultural junto aos artistas e ao público consumidor, trazendo luz à pluralidade de vozes que, tão frequentemente, não são valorizadas pela grande mídia. Com esse pensamento, Junior conclui que os festivais independentes podem, por si próprios, ser considerados mídias alternativas.

 

*Amanda Cruz é estudante de Jornalismo na UERJ. Gosta de ler romances e conhecer novas histórias. Seu interesse de pesquisa é entretenimento e cultura. Larissa Carqueja é estudante de Jornalismo da UERJ. Tem interesse em mídia, sociedade e cultura de massa. Também gosta de artes visuais e literatura. Rômulo Almeida é estudante de Jornalismo da UERJ. Gosta de estudar sobre cultura de massa e suas relações com o capitalismo. Além disso, tem interesse pelo mundo da cultura pop e do audiovisual.

 

 

Referências

JUNIOR, Alexandre de Oliveira. Festivais independentes: Quando o lúdico se torna resistência. Orientadora: Soledad Galhardo. 2017. TCC (Pós-Graduação) – Curso de Gestão em Projetos Culturais, Centro de Estudos Americanos sobre Cultura e Comunicação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: http://celacc.eca.usp.br/pt-br/celacc-tcc/982/detalhe. Acesso em: 2 jan. 2023. 

Festivais independentes: Uma forma de resistência e participação popular contra a cultura dominante