Lara Soares e Lucas Marllon |Fevereiro 2022
Ao se pensar em fotografia e fotojornalismo brasileiros, é impossível não lembrar de Sebastião Salgado. Doutor em economia pela Escola Nacional de Estatísticas Econômicas, na França, Sebastião encontrou na fotografia uma ferramenta para representar a realidade econômica dos povos melhor do que qualquer gráfico ou estatística. Durante 40 anos de sua carreira, esteve em diversas comunidades da África e da América do Sul, registrando a pobreza e a miséria humanas através de suas lentes. Convivendo todo esse tempo em meio a tanto sofrimento e desesperança, Salgado começou a sentir na própria pele os efeitos da privação de uma vida com dignidade. Sua saúde ficou muito debilitada, ao ponto de que precisou interromper o trabalho que realizava há décadas e se isolar em um sítio em Minas Gerais com sua família. Sítio esse no qual havia passado grande parte da sua infância, correndo pelos morros verdejantes, em contato direto com a flora e a fauna. Porém, quando retornou, quase já não havia verde. Muito da Mata Atlântica que havia ali tinha sido desmatada. A fim de recuperar a biodiversidade perdida, criou, junto com sua família, um projeto de reflorestamento da área. Reconectar-se com a natureza lhe deu as primeiras inspirações para o trabalho fotográfico que viria a seguir. Nas palavras de seu filho, Juliano Ribeiro Salgado, “a alegria de ver as árvores crescendo e as fontes de água voltando fez renascer a vocação dele para a fotografia”. É desse desafio de Sebastião Salgado de reconstrução da sua própria esperança que nasce “Gênesis”, um projeto de fotografia ligado ao meio ambiente, diferente de tudo o que ele já havia feito.
Lançada em 2013, a obra em questão é resultado de um vasto trabalho de registros de Sebastião entre 2004 e 2012, por onde visitou mais de 30 países, explorando os mais inusitados e exóticos lugares. Gênesis possui mais de 500 páginas contendo fotografias documentando regiões remotas e povos isolados em diversos cantos do planeta, no geral com um estética preta e branco característica de seus trabalhos. O portfólio é dividido em 5 sessões fotográficas: “Extremo Sul do Planeta”, “Extremo Norte do Planeta”, “África”, “Amazônia/Pantanal” e “Santuários do Planeta”. Enfrentando as localizações, condições e populações (algumas até mesmo sem noção da realidade da civilização moderna) mais heterogêneas do globo, sua coletânea é marcante pela documentação de territórios afastados e poucos habitados do planeta.
Por meio de um conjunto que engloba beleza natural, seres vivos das mais variadas espécies e seres humanos que vivem em equilíbrio natural com seu ecossistema, como a tribo dos Zo’e, isolada na Floresta Amazônica, os criadores de gado nômades Dinka no Sudão, Gênesis têm como objetivo central, como afirma Sebastião, evidenciar o planeta puro e o que tinha de mais protegido, numa espécie de tributo à Terra virgem. A partir de uma observação crítica, pode-se dizer também que a obra de Salgado possui um olhar de alerta e informativo para a necessidade de conservação dos ecossistemas, do bem-estar ambiental e vida na Terra. Seu trabalho também tem relevância e destaque no caráter explorador que seus registros possuem, trazendo informações e conhecimentos sobre localidades até mesmo desconhecidas e assim estimulando pesquisas e sendo fonte de referência de estudos.
Além do contraste e da luz, técnicas marcantes da obra, algumas fotografias presentes em Gênesis chamam atenção pelo “momento decisivo”, outra técnica em que Sebastião é fortemente influenciado. Esta tática, empregada pelo fotógrafo Francês Henri Cartier Bresson, tem por objetivo retratar o impacto e o drama da situação retratada. Por exemplo, na obra de Salgado os registros de instantes dinâmicos como os animais em coletivo, os vulcões e icebergs retratam esse conceito. Não obstante, a estética preta e branca já mencionada induz à informação, ou seja, a ausência de foco leva para que o contexto e o momento registrado sejam o alvo da atenção. À respeito de suas referências, segundo o próprio Sebastião expõe, são diversas e feitas com base em sua vida e nas suas vivências, como o barroco originário de seus estado Minas Gerais e seus registros são o seu “Terceiro Mundo” do qual é procedente.
Uma característica comum a muitas das fotografias dessa obra é o ponto de vista do qual são capturadas, que valoriza a pequenez do observador em oposição à grandiosidade da paisagem. Muitas vezes somente é retratada a paisagem natural, com grandes montanhas, desertos, icebergs e agrupamentos de milhares de animais selvagens, como é o caso da Fotografia 1. Isso leva à reflexão do quão pequeno e insignificante é o ser humano diante de toda a grandeza da natureza. Será justo ver o meio ambiente unicamente como fonte de recursos para exploração humana quando estamos à mercê de sua força? Em outras fotos, esse aspecto é mesclado com a presença humana, por exemplo a Fotografia 2. Ao mostrar que existem muitas civilizações humanas desenvolvendo suas culturas em harmonia e respeito para com a natureza, incorpora-se à reflexão o lugar do homem moderno ocidental, que em geral é quem corrobora com a visão utilitarista sobre o meio ambiente.
Referências bibliográficas:
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Lara Soares e Lucas Marllon são estudantes de Comunicação na Uerj. Contatos: lara.oss2002@gmail.com lucasmarllonrc@gmail.com