Ricardo Ferreira Freitas | Junho 2021

A população brasileira foi tomada de surpresa ao saber que o país sediaria a Copa América, principal competição entre as seleções da Conmebol, que envolve dez países da América do Sul, na edição de 2021. Apesar de pouco expressivo no cenário global dos megaeventos esportivos, o torneio é uma possibilidade de demonstração do potencial futebolístico de cada país. No entanto nenhum evento, seja de pequeno, médio ou grande porte, pode ser imposto a uma sede faltando poucos dias para sua realização.

Os grandes eventos esportivos são uma oportunidade de conseguir projeção internacional para os países que os sediam, incrementando os negócios, especialmente os ligados ao turismo. Essa estratégia deve ser acompanhada de planejamento de média ou longa duração, não só pela excelência de instalações esportivas a ser oferecidas, como também por todo o aparato midiático que o acontecimento exige. Mas é necessário que o povo queira ser anfitrião e esteja preparado para os dias do certame. Em períodos de instabilidade severa, como o que vivemos com a pandemia de Covid-19, diante do número alto de vidas perdidas, a imagem da Copa América tende a se fragilizar, enquanto o país-sede será alvo de críticas globais.

Os megaeventos são encontros que repercutem na mídia, despertando o interesse de milhões de pessoas. Um megaevento não se restringe ao tempo de sua duração, vai além. Começa muito antes de seu início e termina muito após seu encerramento. Nessa proposta de o Brasil ser sede-relâmpago da Copa América, não houve o “antes” para os anfitriões; e o “depois” poderá afundar ainda mais a reputação internacional do Brasil em relação à saúde coletiva. Deve-se também levar em consideração que existe o risco de o improviso imposto gerar sérios constrangimentos diplomáticos, em vez de ganhos políticos com a audácia da exposição.

Em 1918, o governo federal brasileiro adiou o Campeonato Sul-Americano de Football, torneio anterior à Copa América, devido à pandemia da Gripe Espanhola, que matou dezenas de milhares de pessoas no Brasil no segundo semestre daquele ano. O evento foi adiado para 1919 e inaugurou o Estádio das Laranjeiras. Apesar de o governo brasileiro ter resistido ao adiamento, prevaleceu o bom senso em nome da saúde pública, ou seja, o bem-estar de sua população. Em 2021, vivemos o contrário. Após a desistência de Argentina e Colômbia, o Brasil aceita sediar o torneio sem consulta aos atores principais desse espetáculo. Há três erros básicos nessa estratégia: a imposição da decisão; a projeção enviesada da marca Brasil; a tentativa de desviar a atenção da tragédia vivida no país por causa da pandemia.

Qualquer acontecimento, como algo que vem de fora, instaura uma descontinuidade na experiência dos sujeitos e provoca uma ruptura na rotina das coisas. Ainda que seja programado, o acontecimento surge como novidade no cotidiano dos indivíduos afetados. Tratando-se de algo não programado, a possibilidade de trauma é enorme.

Copa América é gol contra o Brasil