Frederico Augusto e Marcelo Mendonça Sales| Abril 2021

No início dos anos 1950, a população era informada e entretida pelas emissoras radiofônicas. As canções ocupavam um lugar de destaque, eram as vozes das Cantoras do Rádio que coloriam o cotidiano brasileiro e davam vida aos mais diversos ritmos. Logo, durante o carnaval, todos conheciam as músicas que iriam embalar a festividade por meio do rádio, que se tornava, então, o veículo de divulgação e estímulo à produção carnavalesca.

Todo o poder que a radiodifusão exercia sobre a população, muitas vezes, sendo a sua única fonte informativa e de divertimento, foi percebido por Getúlio Vargas, que encampou a PRE-8 Rádio Nacional do Rio de Janeiro, passando a tê-la enquanto um veículo estatal e eficiente para influir e controlar o lazer das massas populares. Com a força econômica do governo, além de excelentes equipamentos, a Rádio Nacional entrou no mercado em busca dos melhores e mais procurados profissionais da época. Em seu apogeu, no início dos anos 1950, a estação empregava mais de 700 artistas.

Dessa forma, a Rádio Nacional atraiu os melhores anunciantes e ganhou o poder das apostas publicitárias, que aliadas aos recursos federais, dificultavam as emissoras concorrentes na busca de ouvintes. Em contraponto, a força comunicativa da emissora estatal facilitava a propagação das manifestações artísticas do país. Foi pelo domínio da rádio que as marchinhas ganharam especial destaque na vida dos brasileiros e na carreira de muitos artistas da época, possibilitando que intérpretes (como Emilinha Borba) conquistassem o título de “cantora carnavalesca”.

É interessante observar que as marchinhas de carnaval se apresentam enquanto um retrato do antigo Rio de Janeiro, em seus últimos momentos como Capital Federal. O tom malicioso e satírico desse estilo musical pode o ter afastado dos campos acadêmicos e das discussões mais sérias, mas suas letras foram amplamente aceitas pelas pessoas e acolhidas pelas ondas do rádio. Em resumo, as marchinhas podem ser consideradas como uma crônica popular que apontava mentalidades, costumes e desejos da população, tendo sempre como irrefutável princípio a irreverência.

Do ponto de vista histórico, é importante notar que as marchinhas têm uma estreita relação com o contexto político-social brasileiro, especialmente, no que se refere à gestão Vargas. Por exemplo, na canção “Retrato do Velho” (preparada para a volta de Getúlio ao poder, em 1951), a personagem usa o candidato à presidência como uma fonte de inspiração para o trabalho. Já na composição “Se eu fosse o Getúlio” (produzida no último ano de vida do político gaúcho, em 1954), os autores tiram a figura inspiracional de Vargas e se imaginam em seu lugar, tomando decisões mais enérgicas.

Deve-se destacar, também, que os muitos dos personagens encontrados nas marchinhas salientam a cruel desigualdade brasileira. Cariocas figuras surgiram no cancioneiro deste período, como “Maria Candelária” (popularizada no 1952), que era da “letra O”, ou seja, o nível mais alto do funcionalismo público na época, porém a sua agenda era repleta de compromissos pessoais que a impossibilitava de trabalhar.  Em completo contraste, em 1953, por meio da voz de Marlene, o carnaval conheceria o “Zé Marmita”, uma síntese do operário carioca, que acorda muito cedo e vai trabalhar pendurado, carregando a sua marmita e balançando precariamente, se equilibrando no lado de fora do vagão.

Os problemas urbanos do Rio de Janeiro seriam outra valiosa temática que se encontra nas marchinhas da década de 1950. A canção “Tomara que chova” (1951), por exemplo, foi inspirada na falta d´água que assolou a cidade do Rio de Janeiro naquele ano, assim como a marchinha “Vagalume” (1953), que apresentava uma homenagem às avessas: “[…] Rio De Janeiro/ Cidade que nos seduz/ De dia falta água /De noite falta luz […]”. Mas, mesmo denunciando a precariedade dos serviços básicos no município, há um olhar apaixonado daquele período e que até hoje persiste, permitindo ao carioca impressionar o mundo com os seus festejos carnavalescos, ainda que esteja falando dos seus piores aspectos, nas mais ingratas gestões.

No carnaval há uma mudança da perspectiva do poder, em que a população, utopicamente, se torna detentora de suas escolhas. Nos Anos Dourados, as marchinhas se mostraram enquanto fotografias carnavalescas da cidade do Rio de Janeiro e de seus habitantes, sendo canções que merecem um especial olhar por suas sátiras, questionamentos, que refletem o momento histórico em que foram produzidas e, também, por ainda reunirem corações de norte a sul em inúmeros bailes e blocos carnavalescos.

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Frederico Augusto é mestrando em Comunicação pelo PPGCom da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Marcelo Mendonça Sales é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense.

Referências:

DINIZ, André. Almanaque do carnaval: a história do carnaval, o que ouvir, o que ler, onde ouvir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

NETO, Lira. Getúlio: Da volta pela consagração popular ao suicídio (1945 – 1954). São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

PINHEIRO, Claudia. A Rádio Nacional: alguns dos momentos que contribuíram para o sucesso da Rádio Nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

Retrato do Velho… Rio: As marchinhas carnavalescas e os Anos Dourados