Tatiana Cioni Couto | Outubro 2020

A Maratona do Rio de Janeiro promove o evento chamado “Festival de Corridas” que são cinco corridas : 5 km, 10km, 21km (Meia Maratona), 42 km (Maratona) e das crianças (Maratoninha). As cinco competições se dividem em dois dias consecutivos: sábado e domingo do Corpus Christi, no mês de junho. A Maratona do Rio de Janeiro traz uma série de signos relacionadas ao corpo e a cidade. O corpo, que está ali em movimento, atravessa a cidade. Experiencia e consome o Rio de Janeiro. A cidade está conectada ao corpo: ela pulsa, vibra e se transforma em mercadoria (COUTO, 2019). No primeiro ano do doutorado, participei da corrida de 5km, que acontece no domingo juntamente com a Maratona. Assisti todas outras modalidades que faziam parte do “Festival de Corridas”. Segui o raciocínio de Geertz (2008), que ressalta que o pesquisador só conhece uma cultura indo para o campo, coletando informações e interpretando os fatos.

A comemoração de estar juntos envolvia famílias (pais ou mães que levavam seus filhos para correr a Maratoninha), atletas profissionais (que corriam a de 21km no sábado e a de 42km no domingo, completando o chamado Desafio da Cidade Maravilhosa), atletas iniciantes (que estavam só começando) e outras pessoas que estavam ali por diferentes motivos.

A prova de 2020 seria a segunda que eu iria no evento para participar, tirar fotos e fazer mais entrevistas. No entanto, surgiu a epidemia do Coronavírus em março de 2020, o que cancelou o evento que desde 2003 ocorria em junho. Meses depois, houve o comunicado que a corrida havia sido transferida para outubro e que seria de modo virtual.

Trago a experiência de rua, do corpo no asfalto para explorar uma autoetnografia da corrida virtual iniciada pela Maratona do Rio de Janeiro em outubro de 2020. Coloco meu corpo e o texto em primeira pessoa para entender como uma prova de corrida pode estar na cidade em plena pandemia. Utilizo a autoetnografia, metodologia que engloba a experiência pessoal (SANTOS, 2017).

Em setembro, me inscrevi na modalidade virtual da prova. O kit composto de medalha e camisa de acordo com a organização da prova, será enviado após o desafio virtual por correio. Ao pagar a corrida, recebi um cartão do número de peito digital para colocar e também o “Guia do Corredor” com todos cuidados que devem ser seguidos diante da Pandemia.

O segundo momento foi baixar dois aplicativos no celular. O primeiro aplicativo é o que calcula distância e tempo de corrida, registrando o dia e horário que a atividade foi realizada. Foi escolhido o aplicativo da Nike que contabiliza a corrida em milhas. A corrida foi realizada no dia 9 de outubro de 2020 na praia da Barra da Tijuca. Escolhi o horário matutino e usei máscara, conforme o protocolo de segurança do Guia do Corredor.

O segundo aplicativo é de venda de corridas, uma plataforma internacional chamada Running Heroes, que se conecta a vários aplicativos de performance da corrida, como o da Nike.

 

Plataforma Running Heroes e a prova que foi comprada

 

Os aplicativos são considerados mídias locativas, permitem a comunicação humano-coisa e funcionam com GPS (serviço de localização georreferenciada). As passadas viraram rastros digitais, que geraram informações e relatos sobre a corrida, comprovando que foi realizada a competição (LEMOS, 2013). Nesta experiência, meu corpo não se desconectou do corpo urbano. Estava presente em dois lugares ao mesmo tempo: atravessando a cidade e virtualmente (SANTAELLA, 2007).

Mesmo com o corpo conectado e dentro da cidade, o que eu mais senti, foi a solidão. Eu não estava no meio de uma multidão de corredores, tinha escolhido meu próprio percurso e meu horário do desafio. Cheguei na praia e abri dos dois aplicativos para executar. Ao todo foram 327 inscritos na prova de 5km , dos quais 184 eram mulheres. Não sabia o dia, horário ou percurso que os 326 corredores restantes, podia até ter visto algum, mas não era identificável, pois nenhum competidor havia ainda recebido a camisa do evento.

No final da corrida, lembrava com saudade de 2019 quando corri no meio da multidão. Estava ali sem compartilhar o momento com o outro e não havia o “estar junto”. A emoção não era a mesma. Maffesoli (1998) tinha razão, a experiência partilhada provoca forte envolvimento emocional.

 

Referências:

COUTO, Tatiana Cioni. Cidade Maravilhosa: imaginário e consumo na Maratona do Rio de Janeiro. Intercom Nacional. UFPA: Belém, 2019.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

LEMOS, André. A comunicação das coisas: teoria ator-rede e cibercultura. São Paulo: Annablume, 2013.

MAFFESOLLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

SANTOS, Silvio Matheus Alves. O método da autoetnografia na pesquisa sociológica: atores, perspectivas e desafios. PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.24.1, 2017, p.214-241

SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paullus, 2007.

A Maratona do Rio e a pandemia: a cidade, o corpo e o virtual