Angelo A. Duarte | Agosto 2020

 

O último dia 5 de Agosto faz lembrar os quatro anos passados da abertura dos Jogos Olímpicos de 2016. A Rio 2016 marcou a primeira realização do megaevento na América do Sul. O local da abertura e do encerramento foi o Estádio do Maracanã. Sua polêmica e caríssima reforma para a Copa das Confederações (2013) e Copa FIFA (2014) custou mais de R$ 1,300 bilhões de reais. O estádio tombado foi transformado em arena, reduzindo sua capacidade de público à metade – um clássico do futebol carioca, o FLA x FLU, costumava reunir 120 mil torcedores. Agora, o estádio não suporta nem um público de 70 mil pagantes. Não existe mais a geral, onde o público, formado em sua maioria por torcedores de baixa renda, fantasiados ou desdentados, assistia seus ídolos de pé com rádios de pilha no ouvido. Imagens eternizadas nos filmes do Canal100.

Com o lema “Um novo mundo”, a Rio 2016 apresentou os Jogos, suas estruturas esportivas e algumas “benfeitorias” urbanas. A cidade, apesar dos protestos, foi cenário para o desfile da tocha. O então prefeito Eduardo Paes recebeu a tocha olímpica dos irmãos iatistas Torben Grael e Lars Grael, na Escola Naval. De lá o prefeito a conduziu até a estação do VLT do aeroporto Santos Dumont. Rebeca Moraes dos Santos, uma jovem estudante do ensino fundamental da rede pública, conduziu a tocha dentro do VLT até a Cinelândia, onde o gari da Comlurb Renato Sorriso fez seu famoso passinho. O revezamento continuava pelas ruas do Centro, com um forte esquema de segurança feito com a guarda municipal e homens do batalhão de choque da PM-RJ. Foi possível ver cartazes de protesto improvisados. Um deles foi retirado à força.

A maioria da imprensa local, com predominância dos veículos das organizações Globo, não deixava de exaltar o megaevento. A TV Globo tinha um estúdio exclusivo dentro do Parque Olímpico, em conjunto com seu canal a cabo, tendo acesso rápido aos principais atletas nacionais. Ao fim da Rio 2016, O Globo publicava, no dia 22 de agosto de 2016, a matéria com o título “Olimpíada Rio-2016 vai deixar saudades nos cariocas e turistas”. Os grandes espetáculos aglomeraram milhares de pessoas e incentivaram a vinda de turistas ao país. Quais foram os cenários deixados no Rio de Janeiro pós-megaeventos? Qual foi o legado?

Projetar a imagem de uma cidade para o mundo, atrair mais turistas e negócios. A lógica da vez encanta, em vários pontos do planeta, políticos e administradores das grandes metrópoles. Eles acreditam na transformação social com a realização de megaeventos. Uma das saídas encontradas por esses administradores é sediar, por exemplo, os Jogos Olímpicos. Foi assim com Barcelona (1992), Atenas (2004), Pequim (2008), Londres (2012) e Rio de Janeiro (2016). Um breve levantamento de custos, feito em sites noticiosos, nas três capitais que realizaram seus Jogos antes do Rio de Janeiro, aponta para o aumento dos investimentos a cada Olimpíada, começando pela cidade grega, que gerou um custo de 21,3 bilhões de reais (na época, os Jogos mais caros da era moderna). Os resultados não foram suficientes para cobrir os gastos. O complexo olímpico de Faliro se encontra hoje abandonado, os dois principais estádios estão fechados e várias instalações também estão sem uso. Pouco tempo depois, em 2008, o país entrou numa grave crise financeira. Pequim apresentou uma soma bem superior de gastos: 34 bilhões de dólares. Conhecido como Ninho de Pássaro, o estádio olímpico custou 400 milhões de dólares, o dobro do previsto. O governo da Grã-Bretanha gastou o equivalente a 30 bilhões de reais para sediar o evento, em 2014. Na Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro, os números ultrapassaram 41 bilhões de reais.

Pouco mais de um ano da realização da Rio 2016, em uma operação desencadeada pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e apoiada pela operação Lava-Jato, Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, foi levado para a sede da Polícia Federal. Na sua residência no Leblon, bairro nobre da Zona Sul carioca, foi encontrado meio milhão de reais em cédulas de cinco países. Nuzman foi acusado de comprar votos para que o Rio fosse a cidade-sede dos Jogos. A operação da Polícia Federal, na época, foi chamada de Unfair Play (jogo sujo). Sérgio Cabral, ex-governador, foi acusado de comandar o esquema da compra de votos. O Ministério Público rastreou uma conta no Caribe, abastecida pelo empresário Arthur Cesar Soares Filho, que tinha vários contratos de serviços no Estado do Rio de Janeiro. Dois milhões de dólares foram pagos ao senegalês Papa Diack, repassados para seu pai, Lamine Diack, membro do Comitê Internacional Olímpico, com poder de voto na escolha das cidades-sedes.

Antes de sua prisão, em novembro de 2016, o ex-governador Cabral negou o envolvimento. Carlos Nuzman, que não se pronunciou à época, também foi preso no ano de 2018. Em 2019, com uma pena de 198 anos e seis meses de prisão, o ex-governador Sérgio Cabral afirmou à Justiça Federal o que antes havia negado, que comprou por 2 milhões de dólares os votos de nove integrantes do Comitê Olímpico Internacional (COI), para garantir a vitória do Rio de Janeiro. Em depoimento, o ex-governador disse que a negociação foi feita com o senegalês Lamine Diack, presidente da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) de 1999 a 2015. Afirmou também que um dos votos comprados foi o do atleta de natação russo, Alexander Popov, que foi medalhista com 4 ouros, nas Olimpíadas de 1992 e 1996. A investigação brasileira sobre a compra de votos para a Olimpíada foi motivada, também, por um pedido feito no fim de 2016 pelo Ministério Público francês, que durante uma investigação sobre doping no atletismo, encontrou indícios de corrupção na candidatura da Rio 2016.

A Pandemia da Covid-19 impediu a realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio, no Japão. Quatro anos se foram desde que o Rio de Janeiro sediou sua Olimpíadas. Qual foi o legado deixado? Alguma notícia? A mesma imprensa que abraçou os Jogos agora os critica, ainda que timidamente.

Construído na Barra da Tijuca, o Parque Olímpico, onde era antes o autódromo de Jacarepaguá Nelson Piquet, teve o custo de 7 bilhões de reais, segundo a Autoridade Pública Olímpica (APO). O legado foi benéfico para as incorporadoras de imóveis ao construir um novo campo de Golfe Olímpico, projetado pelo arquiteto americano Gil Hanse, único na América Latina de nível internacional, numa área de 1 milhão de metros quadrados, com gastos acima de 60 milhões de reais. O local foi alvo de protestos e denúncias desde sua inauguração. Não é nenhum legado público. Os dois campos de golfe, um situado na área do Itanhangá e o outro em São Conrado, não atendiam às expectativas do Comitê Olímpico Internacional (COI). A construção de uma enorme Vila dos Atletas, hoje condomínio Ilha Pura, até o presente momento tem uma baixa taxa de ocupação nos seus mais de 30 prédios, sendo uma dor de cabeça diária para a Carvalho Hosken. Para o povo e os atletas nacionais, toda a estrutura do Parque Olímpico encontra-se em ruínas. A Arena do Futuro, uma estrutura desmontável, que se transformaria em 4 escolas públicas para o município, não saiu da promessa, nenhum parafuso foi tirado do local. Várias estruturas enferrujando-se, o estádio de Tênis, nem pra o Rio Open, evento vem sendo realizado no Jóquei Clube da Gávea, serve. O velódromo, uma das peças mais caras do local, já sofreu dois incêndios em seu teto por causa de balões festivos. Atualmente, nenhum atleta medalhista está treinando por lá.

O Parque Olímpico é um verdadeiro cenário em ruínas.

 

Foto: Arena do Futuro, 2018.

Autor: Angelo A. Duarte

________________________________________

Angelo A. Duarte é mestre em Comunicação Social pelo PPGCom da UERJ. Defendeu a dissertação “Ruínas do Presente no Parque Olímpico e no Porto Maravilha” em Março de 2020., orientado pelo professor Ricardo Ferreira Freitas.

 

Legado em ruínas: uma Olimpíada comprada