Ricardo Freitas | Janeiro 2020

Um tanto quanto diferentes do conceito das tradicionais empresas públicas ou privadas, as cidades, especialmente as metrópoles, são exemplos de uma complexidade organizacional que ainda necessita de maior aprofundamento teórico nos estudos das Relações Públicas e da Propaganda. A cidade é uma organização cuja complexidade reside na sua pluralidade cotidiana e esse aspecto não é recorrente nas teorias da comunicação organizacional.

As ONGs, as empresas públicas e privadas, as entidades diversas, incluindo aquelas não formalizadas, se caracterizam como organizações plurais constituintes das grandes cidades. Nas metrópoles, as redes de comunicações vão muito além do alcance dos poderes públicos, metamorfoseando as narrativas de diversas camadas e estruturas. As prefeituras e a população são, nesse panorama, entes comunicantes, em que todos são atores sociais da explosão comunicacional própria das metrópoles da segunda década do século XXI.

Do lado de fora dos shopping centers e dos condomínios fechados, há uma cidade genuína devido a suas impurezas e misturas, com corpos que tentam sobreviver, constituindo uma estética pública que a muitos não interessa ser vista. Cada corpo, cada instrumento de trabalho, cada travessia comunica e ressignifica os espaços urbanos a todo instante. Esses mesmos corpos também são mídias que disputam a atenção da população com outdoors, caixas de som, smartwatchs entre outras manifestações comunicacionais públicas. Corpos que não são silenciosos, mas são silenciados e apagados pelos poderes públicos e pela imprensa tradicional. Corpos que nem sempre estão nas redes sociais, mas que estabelecem mídias e mensagens próprias através de seus sons, formatos e odores.

Meu foco, neste pequeno ensaio, está nas comunicações públicas urbanas, notadamente aquelas não oficiais e não percebidas na sua devida importância pelas autoridades competentes, mas que fazem parte do cotidiano, apesar de não serem objetos das comunicações governamentais ou políticas. Daí, chamarmos a atenção sobre os personagens do cotidiano urbano que também constituem a marca da cidade, apesar de serem invisíveis às instâncias dos poderes públicos e às agências de comunicação que cuidam da imagem midiática da cidade. Os moradores de rua, os pequenos trabalhadores, os simples transeuntes, os turistas de albergue, são todos integrantes das marcas das cidades. Portanto, são públicos da cidade-organização. No entanto, como sabemos, no Brasil eles só são levados em conta em épocas de eleições, especialmente aqueles que estão na linha de pobreza ou mesmo abaixo dela, ou seja, na miséria.

O modelo de gestão de cidades que vemos no Brasil contemporâneo continua reforçando as diferenças e as distâncias daquilo que chamaríamos de classes sociais uns tempos atrás. Em 2020, encontramos dificuldades de pensar em classes sociais após as reformas trabalhistas e previdenciárias recentemente ocorridas no país. Talvez ainda seja possível recorrer a ideia de classes econômicas, ou melhor, castas econômicas, visto que os personagens invisíveis das cidades fora de época de eleições não são, em sua maioria, cidadãos inscritos nos sistemas formais de rendimentos. Muitos não têm conta bancária, não têm residência fixa e também não têm assistência médica e social.

O ano de 2020 será palco de novas eleições para prefeitos e vereadores e esses personagens reaparecerão na cena política brasileira. Abominável cena, na qual políticos oportunistas incluem esses eleitores em suas propagandas, apesar de saberem que eles serão apagados ao longo da gestão.

 

A cidade-organização e os personagens invisíveis