Carlos Alberto Diniz | Outubro 2019

Alugar vários filmes na sexta-feira para devolver na segunda, passar horas lendo sinopses das capas dos DVDs, pedir a opinião do atendente e ainda lembrar de rebobinar a fita VHS fazem parte de um ritual de consumo que parece esquecido no passado. Mas as videolocadoras ainda existem e resistem em cidades como o Rio de Janeiro.

Surgidas nos anos 1980 no Brasil, com muitas mantendo um acervo composto por fitas piratas, como mostrado no documentário CineMagia – a história das videolocadoras em São Paulo (2017), de Alan Oliveira, que mostra a perspectiva dos donos desses tipos de lugares de consumo, as locadoras tiveram seu auge no Brasil em 1996, quando o país chegou a ter 17.938 empresas do tipo.

Caputo e Meireles (2010, p.6) destacam que “a febre do vídeo mudou hábitos e criou oportunidades de negócio. […] Em torno dos clubes de vídeo, criaram-se as videolocadoras, primeiro, pequenas lojas de bairros e, depois, grandes redes”. Segundo esses autores, o número de videolocadoras passou de 1.800 em 1985 para 4.500 em 1986 e 8 mil em 1991. Em 1990, o mercado de vídeo arrecadou 400 milhões de dólares, contra 138 milhões arrecadados nas bilheterias dos cinemas. Ainda segundo esses autores, “em 1991, 25% dos 30 milhões de televisores coloridos do país contavam com videocassetes, resultado da redução dos preços” (p.6).

Nos últimos anos, porém, a atividade caiu em declínio. Dados de 2015 do IBGE, disponíveis no Perfil dos Estados e Municípios Brasileiros 2014, mostram que empresas do setor estavam presentes em 82% dos municípios brasileiros em 2006, número reduzido para 53,7% em 2014, uma queda de 34,5%. 

Nesse período, o fechamento das videolocadoras se acentuou. A 2001 Vídeo, de São Paulo, que chegou a ter sete unidades, encerrou as atividades das lojas físicas em 2015, após 33 anos no mercado (Folha de S. Paulo, 2015). A 100% Vídeo, que se autointitulava a maior rede brasileira de videolocadoras e chegou a ter 96 lojas franqueadas, saiu do mercado também em 2015, anunciando a decisão pelo seu Diretor de Franchising, Carlos Augusto, no site da empresa, http://www.100video.com.br/:

Há exatos 29 anos a rede 100% VÍDEO iniciou suas atividades na cidade de Campinas, no Estado de São Paulo; em 1995 optamos pelo crescimento através do modelo de Franchising. Chegamos ao número de 96 operações em 15 Estados da Federação, gerando mais de 1000 empregos diretos. […] Devido à falta de legislação específica
antipirataria, o nosso mercado vem diminuindo dia a dia. Assim sendo, a direção da empresa resolveu encerrar as operações da 100% VÍDEO Franchising em 30/06/2015. Não poderíamos deixar de agradecer a todos os clientes, fornecedores e amigos, pelos muitos anos de trabalho e serviços conjuntos. Um agradecimento em especial à Cidade de Campinas que foi o berço dessa grande empresa: A MAIOR REDE BRASILEIRA DE VIDEOLOCADORAS. Forte Abraço (grifo no original).

No Rio de Janeiro, a Paradise, em Copacabana, fechou as portas em 2015, após 24 anos no mercado. A locadora chegou a ter 36 mil associados. Como muitas outras que saíram do mercado, a empresa colocou seu acervo para venda direta. O proprietário, Luís Teixeira Mendes, anunciou o fechamento pela sua página pessoal no Facebook, reproduzido pelo jornal O Globo em uma matéria de 10 de dezembro de 2015:

É com imenso pesar que comunico o fechamento da Paradise Videolocadora para 30 de Janeiro. Ninguém mais do que eu se sentirá tão desolado, tão sem referência e completamente sem chão. Não explicarei os motivos por que são mais do que óbvios, mas posso apontar o que vem acontecendo nos últimos anos: 1) Queda de 80% no volume de locações. 2) Acúmulo de duas crises: a do mercado de videolocação somada à atual crise que assola o país. 3) Déficit mensal de 8 mil reais há mais de 2 anos. […] E a partir de amanhã, sexta-feira, todo o acervo será colocado à venda. Uma grande oportunidade de você adquirir aquele filme original que você sempre sonhou. Agradeço, de coração, a todos os clientes e amigos que nos prestigiaram nesses 24 anos de funcionamento.

Os depoimentos dos responsáveis pela 100% Vídeo e pela Paradise evidenciam alguns dos obstáculos enfrentados por esse ramo de atividade. A concorrência com as plataformas de streaming, a pirataria e o download de filmes pela internet, facilitado pela rapidez das conexões de banda larga, fez com que a quantidade de filmes alugados diminuísse. Diante desse cenário, as empresas que não fecharam as portas diversificaram sua atuação, trabalhando também como cafés ou negócios similares e vendas de produtos variados. Outras apostaram nos títulos raros, não encontrados nas plataformas de streaming e na procura desses filmes por cinéfilos.

A Macedônia Vídeo, por exemplo, se manteve no mercado por mais de 30 anos, com lojas no Catete e no Leme. Em depoimento para o jornal O Globo, em 2013, o proprietário declarou: “claro que tive queda de movimento, mas eu previ isso cinco anos atrás. Fui transformando a loja enquanto o mercado ainda era bom”. A videolocadora passou a dividir espaço com venda de suplementos alimentares e cafeteria. Nos últimos anos, passou a locar vídeos pela internet e fazer entregas na residência dos clientes. Mas a loja acabou fechando em 2017.

A Cavídeo, na Cobal do Humaitá, que funciona desde 1997, continua como videolocadora, mas também atua como produtora e distribuidora de filmes, promovendo anualmente a Mostra Cavídeo, com filmes da produtora. Conta com 26 mil títulos no catálogo.

O proprietário, Cavi Borges, em entrevista concedida para a Revista do Brasil em 2018, destaca a importância desses lugares para a sociabilização de cinéfilos, incentivada pelo acervo de filmes procurados por esse público: “tenho muitos filmes raros, antigos e de arte […]. São 26 mil títulos e 20 mil clientes, que, às vezes, vão para bater papo, virou um ponto de encontro”. Sobre a especialização das videolocadoras, Caputo e Meireles afirmam:

As locadoras especializadas não deixam de ser afetadas pelas novas tecnologias, mas têm como característica preponderante a busca por um segmento de clientes que veem o cinema como alta cultura, não apenas como mero entretenimento passageiro, logo há uma preocupação com o acervo, com o atendimento, pois se trabalha com algo além de entretenimento fácil, mas sim voltado para cinéfilos e colecionadores. (CAPUTO; MEIRELES, 2010, p. 13)

Em entrevista para O Globo, concedida em 2013, Cavi Borges destaca que a facilidade de se baixar ilegalmente um filme pela internet pode ser uma concorrência ainda mais forte do que as plataformas de streaming.

A Cavídeo tem um diferencial. Nestes 17 anos de existência, a gente conseguiu criar um público fiel, que não é o cara que vai procurar lançamentos. Isso garante nossa sobrevivência. Para a gente, o download ilegal é um adversário mais sério que a Netflix. A gente trabalha com filme raro, e hoje, graças à internet, não existe mais filme raro. (MIRANDA; RODRIGUES, 2013)

No Brasil, o próprio uso dos aparelhos de DVDs foi sendo descontinuado com o tempo. A fabricação desses aparelhos caiu de 1,5 milhão em 2016 para 638 mil em 2018, segundo matéria publicada no portal Uol em 2019. Já as fitas VHS praticamente são artigo de museu hoje em dia, sendo encontradas quase exclusivamente em sebos.

Mas, assim como a Cavídeo, outras empresas se mantêm no mercado. A Storm, em Ipanema, aberta desde 1987, decidiu, há cinco anos, funcionar também como sebo. Em conversa por telefone com este autor no dia 15 de outubro de 2019, o proprietário da Storm, José Carlos, declarou: “por conta das dificuldades no mercado, decidi incluir venda de livros e CDs e talvez venda, no futuro, discos, que estão na moda agora”.

A Toontown, em Laranjeiras, aberta em 1990, continua com aluguel de DVDs e Blu-ray, também funcionando como armazém, no mesmo endereço. A Luke Vídeo, em São Cristóvão, há 15 anos no mercado, também funciona como cafeteria e lan house. A Tô Ki Tô videolocadora, em Anchieta, está há 23 anos no mercado e continua exclusivamente com aluguel de filmes, porém pretende fechar as portas ainda em 2019. A Fand Two, aberta há 15 anos, no Centro, vende também roupas e calçados. A Inter Cult, na Vila Isabel, é videolocadora e loja de conveniências. Todas essas empresas foram consultadas por telefone por este autor, em outubro de 2019, para averiguação da situação da videolocadora na data.

São apenas alguns exemplos de representantes desses lugares de consumo e sociabilização que já se declaram em processo de extinção há algum tempo, mas que ainda são realidade em 2019. Lugares que se transformaram e continuam se transformando e, considerando os exemplos pesquisados, formam um mercado composto por empresas com mais de 15 anos de existência. Se essas videolocadoras continuarão existindo em 2020, não temos como saber. O que sabemos é que, hoje, ainda podemos escolher um filme pela sinopse escrita na capa do DVD, pelo menos em alguns cantinhos espalhados pelo Rio de Janeiro.

Referências Bibliográficas:

ACKERMANN, Luciana. Locadora Cavídeo resiste à era do streaming, vira ícone no Rio e promove mostra. Revista do Brasil. Ed. 142, 2018. In: Rede Brasil Atual.

CAPUTO, Erich Ferreira; MEIRELLES, Dimária Silva e. Dinâmica tecnológica e evolução do modelo de negócios de videolocadoras. XIII SEMEAD –Seminário emadministração, 2010.

MIRANDA, André; RODRIGUES, Eduardo. O fim do império. O Globo, Rio de Janeiro, 17 nov. 2013.

Paradise, principal videolocadora do Rio, fechará as portas após 23 anos. O Globo, Rio de Janeiro, 10 dez. 2015.

Perfil dos estados e dos municípios brasileiros: cultura: 2014 / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. – Rio de Janeiro: IBGE, 2015.

PICHONELLI, Matheus. DVD é o novo LP: quem ainda compra e aluga filmes desse jeito no Brasil?. Uol, São Paulo, 9 abr. 2019.

Tradicional locadora, 2001 fecha lojas após 33 anos e vende acervo. Folha de S.Paulo, São Paulo, 19 dez. 2015.