Por Angelo Duarte| Outubro 2019
Ágatha Félix, aos 8 anos de idade, foi vítima de mais uma ação equivocada das políticas públicas de segurança na cidade do Rio de Janeiro. Nas palavras do governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, quem a matou não foi sua política de segurança pública, mas sim os que usam maconha ou outras drogas ilícitas para distração. O governador Wilson Witzel falou sobre o caso em entrevista coletiva, no último dia 23, após a morte da criança Ágatha Félix, atingida por um tiro de fuzil quando estava numa Kombi, na região da Fazendinha, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio.
Ele omitiu que outras crianças morreram este ano por causa de conflitos nas favelas ou mesmo fora delas. Witzel não está mais em campanha, é governador de um estado ainda em crise por causa de desmandos de ex-governadores, no momento presos e condenados por corrupção, desvios de verbas e gastos com as obras dos preparativos para os Megaeventos, realizados recentemente na cidade. No governo atual, a política pública de segurança já deixou cinco crianças mortas até o momento. Qual será a resposta da sociedade, que isto não aconteça, quando uma criança branca de olhos claros da Zona Sul for atingida por um tiro de fuzil? Como você pode dizer uma frase tão irresponsável como “Tem que jogar um míssil na Cidade de Deus”?
O senhor não deve ter lido Cidade de Deus, livro de Paulo Lins. Deveria estar na cabeceira de seu quarto. Neste livro, o senhor pode encontrar um pouco da história da entrada das drogas e das armas nas favelas do Rio de Janeiro. O país ainda tinha governadores e prefeitos indicados pelos militares, no poder entre 1964-1984. O senhor poderia ver o filme de mesmo nome dirigido por Fernando Meirelles, de 2002. Se o problema for a ficção, o senhor pode assistir o documentário Notícias de uma Guerra Particular (1999), de Kátia Lund e João Moreira Salles, que mostra o pensamento de quem estava no comando das polícias civil e militar na época. Todos os lados foram ouvidos no documentário, inclusive os moradores do Morro Santa Marta, os traficantes e outros personagens da história policial fluminense nos anos 80.
Sua fala culpando os usuários de drogas soa como hipocrisia. As mentiras, os dados falsos e manipulados, as pregações para um povo pobre e carente, mostram o equívoco das políticas públicas em vários setores e instâncias governamentais. O senhor não está mais em campanha. Deveria ser bem assessorado, conhecer, por exemplo, os trabalhos e as pesquisas desenvolvidas na própria UERJ, no Laboratório de Análise da Violência.
Seu discurso moralizador e conservador não o diferem dos governos ditatoriais, que perderam a “guerra” com estas mesmas ações violentas. O combate está no investimento em escolas públicas decentes para crianças como a Ágatha Félix, que gostava de fazer balé e, apesar das sua condição financeira, encontrava refúgio na escola e nos ambientes que traziam alegria. Escolas novas para crianças, novas escolas técnicas para jovens e adolescentes. Digo novas, não como as escolas do presente, caindo aos pedaços. Formação para novos professores, salários dignos também. Só com pacificação nestes ambientes, mostrando a presença do Estado, com novas escolas, postos de saúde, saneamento, transporte eficiente. Criando e gerando empregos e oportunidades,reduz-se o consumo de entorpecentes, a violência e o tráfico de drogas. Menos tiros nas favelas, mais livros, mais gente qualificada, mais obras de saneamento, mais reciclagem. Crianças pobres ou ricas têm o mesmo direito de viverem, serem amadas e respeitadas.
As Unidades de Polícia Pacificadora não foram eficientes. A política de combate às drogas no nível nacional também mostra falhas. O assunto exige inteligência, menos preconceito e novas práticas governamentais. Não é possível mais criminalizar o usuário e é inadmissível atirar em inocentes nestas comunidades, em horário escolar, estimulando a política do medo. Em alguns estados dos Estados Unidos, no Canadá, parte da Europa e, no nosso país vizinho, o Uruguai, é possível comprar maconha, por exemplo, nas farmácias e algumas lojas credenciadas pelos órgãos competentes. Os cidadãos podem consumir sem nenhum tipo de constrangimento. Nestes países, o faturamento com a legalização de certas drogas têm sido alto. Não se tem notícias de crianças mortas pelas costas com tiro de fuzil. Nem escolas caindo aos pedaços, nem professores sem remuneração e nem hipócritas no poder.
Referências Bibliográficas:
LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.