Entrevista por Daniela Menezes Neiva Barcellos | Maio 2019

Quais os desafios éticos que a privacidade enfrenta em um contexto de ampla digitalização das nossas vidas? Como enfrentar a conversão da privacidade em mercadoria? Em que medida há uma mutação nas fronteiras entre aquilo que separa o público do privado a partir dos usos e consumos das tecnologias da comunicação e da informação? Quais os benefícios e os riscos que os novos desenhos das políticas de privacidade trazem para a ética pública? Temos nas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) um instrumento que auxilia no controle dos poderes públicos e no combate à corrupção?

Estas são, em síntese, algumas das questões que norteiam a obra Éticas em rede: políticas de privacidade e moralidades públicas, organizada pelos professores Luiz Peres-Neto e Joan Botella i Corral, em 2018. Os autores deste livro compõem o Grupo de Pesquisa em Ética, Comunicação e Consumo – GPECC, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo (PPGCOM) da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP). A obra é fruto do projeto de pesquisa “Implicações éticas da privacidade digital:  uma discussão a partir do campo da comunicação e do consumo”.

Trata-se de uma publicação construída à luz das interfaces entre comunicação e consumo, o que lhe confere um caráter interdisciplinar e um enfoque marcadamente sociocultural.

Conversei com Maria Cláudia da Veiga Soares Carvalho, professora e pesquisadora que atua na área de alimentação, nutrição e saúde coletiva, com ênfase em comunicação, educação e cultura, sobre sua participação na obra com o capítulo “Aspectos públicos e privados de escolhas alimentares em práticas virtuais de comunicação e consumo.

 

1. Qual sua experiência em integrar o Grupo de Pesquisa em Ética, Comunicação e Consumo da ESPM-SP, liderado pelo prof. Luiz Peres-Neto?

O GPECC é grupo multidisciplinar de estudos do CNPq que trabalha com questões éticas ligadas ao consumo, onde desenvolvi meu primeiro pós-doc sobre os aspectos ‘privados’ de escolhas alimentares. São estudos inquietos diante das ‘normalidades’ do mundo do consumo… Na verdade, eu estava ‘à toa na vida… rs’ quando o professor Ricardo Freitas me apresentou ao professor Luiz Peres-Neto e esse nosso encontro frutifica reflexões e debates até hoje.

 

2. Conte-nos um pouco sobre do que se trata o seu capítulo publicado nesta coletânea e o que a inspirou a abordar esse tema.

A questão da escolha alimentar, assim como o aspecto imperativo da alimentação saudável, forma uma cortina de significados que nos mobiliza para o consumo. Com uma polissemia própria, nos provoca à ressignificação e nos faz refletir… Por que o sujeito contemporâneo se enche de sentido com suas escolhas, que tipo de privacidade as práticas de consumo alimentar reafirmam?

 

3. Quais as suas reflexões sobre os desafios éticos que enfrentamos cotidianamente no universo da alimentação entre dicas, receitas e soluções que criam e sanam necessidades alimentares?

As soluções fáceis nos mobilizam para consumos possíveis no dia a dia, são pequenas escolhas sobre o que comer que fazem sentido, mas, quais sentidos jovens universitários poderiam tomar pra si a partir de narrativas sobre o saudável no mundo virtual? Quais desses conteúdos os sensibilizam para construção de um bem-estar?

 

4. O que podemos concluir sobre a liberdade de escolha alimentar e a lógica do consumo?

No contexto estudado, escolher o que consumir é um tipo de poder e confere distinção social. A ideia de privacidade é um fetiche, da mesma forma que a liberdade de escolha é um artefato cultural, alimentam um capitalismo cultural.  No entanto, os aspectos públicos e privados não se separam, são siameses da cultura, e, parafraseando Mary Douglas, quando ela diz que a cultura deve assentar não como uma luva, mas como uma pele, a escolha se encaixaria como a luva em nossa pele.

Éticas em rede: políticas de privacidade e moralidades públicas