Por Alessandra Porto | Março/2019

Crowdfunding é a palavra utilizada para definir a prática de financiamento coletivo realizada pela internet. O conceito de crowdfunding pode ser melhor entendido ao separar a palavra crowd que, em inglês, significa “multidão”; e funding, que significa “financiamento”. Silva e Lima (2014) argumentam que o crowdfunding guarda semelhanças com práticas comuns da vida social, como a “vaquinha” e a ação entre amigos. É interessante observar que a expressão “fazer uma vaquinha” foi criada pela torcida do Vasco da Gama durante a década de 20, quando seus torcedores adotaram a seguinte tática para estimular os jogadores do time de futebol carioca: a cada vitória, os atletas receberiam prêmios em dinheiro. Como o valor a receber dependia do placar dos jogos, a cada vitória histórica (ou conquistas em títulos) seriam pagos 25 mil réis. Tendo como inspiração a correspondência entre números e animais do jogo do bicho, 25 significa vaca.   Ou seja: a recompensa mais cobiçada equivalia a uma “vaca”. A partir de então, a palavra “vaquinha” começou a ser utilizada com frequência para definir quando as pessoas se reúnem para levantar dinheiro em prol de alguma causa ou objetivo.

No século XXI, a atividade vem se apresentando como uma alternativa de grande relevância para os idealizadores de projetos de diversos segmentos. De modo geral, os argumentos presentes nas plataformas brasileiras de financiamento coletivo como Catarse, Vakinha, Benfeitoria e Kickante possuem como objetivo mobilizar pessoas através de uma experiência empática, visando fazer com que as mesmas contribuam com campanhas de crowdfunding voltadas para diversas áreas. Nesse contexto, é importante frisar que ações de financiamento coletivo via internet também podem fazer com que projetos de caráter artístico, cultural e científico se concretizem.

No Rio de Janeiro, cabe destacar duas campanhas de crowdfunding que servirão de exemplo para a presente análise. A primeira possuiu como objetivo arrecadar fundos para a exposição Queermuseu, cujo título encontra-se a seguir: “Queermuseu na Escola de Artes Visuais do Parque Lage do Rio de Janeiro”.

A mostra “Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira” foi cancelada pelo Santander Cultural em Porto Alegre (RS), no dia 10 de setembro de 2017, sob a alegação de que “as obras expostas desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas”. Em outubro de 2017 (no mês seguinte ao cancelamento da exposição na capital gaúcha), o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, proibiu a exibição da “Queermuseu” no Museu de Arte do Rio (MAR). Inconformados com a decisão do prefeito Marcelo Crivella, integrantes da plataforma Benfeitoria se uniram – e lançaram a campanha de financiamento coletivo “Queer Museu no Parque Lage!”. Uma das mensagens de divulgação do crowdfunding para angariar fundos em prol da exposição se encontra a seguir:

A arte nos mobiliza pela empatia. O que mobiliza nos transforma. O que nos transforma é afeto. Essa não é uma campanha sobre o mérito artístico da exposição e nem sobre suas obras. Ninguém pode ser obrigado a ver ou gostar de nada. Da mesma forma, ninguém pode ser privado ou cerceado do acesso ao conhecimento e à expressão artística. É exatamente por essa liberdade que ninguém pode ser proibido de pensar, ver, apreciar, criticar, dialogar e ter a própria opinião. Essa campanha é sobre liberdade de escolha, expressão e opinião, direitos tão duramente conquistados e que nos foram cerceados. É sobre democracia.

 

Considerado um dos maiores crowdfundings do Brasil, a campanha da plataforma de financiamento coletivo Benfeitoria para a montagem da exposição “Queermuseu” na Escola de Artes Visuais do Parque Lage contabilizou 1.678 colaboradores em março de 2018, com uma arrecadação total de R$ 1.081.176,00 – mesmo após a “Queermuseu” ter sido proibida nas duas ocasiões anteriores.

O Grupo de Foguetes do Rio de Janeiro (GFRJ), equipe aeroespacial vinculada ao curso de Engenharia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), organizou uma “vaquinha on line” no ano de 2018 para participar da maior competição mundial de foguetes: a Spaceport America Cup, realizada no Novo México, EUA. Como a universidade sofre as consequências da crise que assolou o Estado do Rio de Janeiro, a campanha foi a solução encontrada pelos estudantes visando arrecadar dinheiro para o pagamento das inscrições do evento, passagens aéreas, hospedagem, alimentação e translado nos Estados Unidos. A intenção do GFRJ era arrecadar R$ 15.000,00. Mas o crowdfunding “Ajude os alunos de Engenharia da UERJ a mostrar o projeto do foguete Atom nos EUA!” conseguiu levantar R$ 17.960,00. Graças ao dinheiro arrecadado, a equipe do GFRJ viajou para os EUA. E o foguete ATOM conquistou a 3ª colocação na Spaceport America Cup (na categoria 10k SRAD Solid Motor). “Ajude os alunos de Engenharia da UERJ a mostrar o projeto do foguete Atom nos EUA!” é a segunda campanha, cujo propósito era obter apoio financeiro para que discentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro pudessem participar de uma competição internacional. A seguir, analisaremos respectivamente as campanhas de crowdfunding supracitadas, mostrando como as famosas “vaquinhas” invadiram o ambiente virtual – e muitas vezes se tornaram a solução para que projetos saiam do papel.

 

Foguete Atom. Fonte: site da Faculdade de Engenharia da UERJ

 

Fonte: Veja Rio (edição on line)

Com a proximidade do Spaceport America Cup 2019 (a ser realizado de 18 a 22 junho), o GFRJ novamente recorre ao crowdfunding como alternativa para conseguir dinheiro – e viajar pela 2ª vez para os EUA. A meta da equipe é alcançar R$ 30.000,00 até o dia 9 de junho; e até o presente momento (março de 2019), o crowdfunding do GFRJ já arrecadou R$ 1.835,00.

Vale ressaltar que as plataformas de crowdfunding muitas vezes apresentam problemas estruturais como a falta de transparência, a determinação de um sistema eficaz de distribuição dos valores ou dos percentuais cobrados pelos serviços em cada doação (FELINTO, 2012). Todavia, pode-se observar que, através dos exemplos anteriores de financiamento coletivo envolvendo de algum modo o Rio de Janeiro, a nova configuração da antiga “vaquinha” pode ser a saída para que um projeto saia do planejamento – e entre em execução.

 

Referências:

 CROWDFUNDING – “BENFEITORIA”. Queer Museu no Parque Lage. Disponível em: <https://benfeitoria.com/queermuseu> Acesso em: 09 jul. 2018

CROWDFUNDING – “VAKINHAS ON LINE”. Grupo de Foguetes da UERJ precisa de ajuda para disputar nos EUA. 2018. Disponível em: <https://www.vakinha.com.br/vaquinha/gfrj-da-uerj> Acesso em: 09 jul. 2018

CROWDFUNDING – “VAKINHAS ON LINE”. Grupo de Foguetes da UERJ precisa de ajuda para disputar nos EUA. 2019. Disponível em: <https://www.vakinha.com.br/vaquinha/gfrj-na-spaceport-america-cup-2019>Acesso em: 19mar. 2019

FELINTO, Erick. Crowdfunding: entre as Multidões e as Corporações. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 9, p. 137-150, 2012. Disponível em:<http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/view/347> Acesso em: 05 jul. 2018

JORNAL EL PAÍS (edição online). Crivella veta no Rio a exposição Queermuseu, censurada em Porto Alegre. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/04/cultura/1507068353_975386.html> Acesso em: 09 jul. 2018

JORNAL O GLOBO (edição online). Censurada em Porto Alegre, mostra Queermuseu será exibida no Rio. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/censurada-em-porto-alegre-mostra-queermuseu-sera-exibida-no-rio-21862328>Acesso em: 09 jul. 2018

QUAL É A ORIGEM DA EXPRESSÃO “FAZER UMA VAQUINHA”? 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-e-a-origem-da-expressao-fazer-uma-vaquinha/> Acesso em: 05 jul. 2018

REVISTA VEJA RIO (edição online). Grupo de foguetes da UERJ ganha torneio nos Estados Unidos. 2018. Disponível em: <https://vejario.abril.com.br/cidades/grupo-de-foguetes-da-uerj-ganha-premio-nos-estados-unidos/> Acesso em: 19mar. 2019

 SILVA, Daniel Reis; LIMA, Leandro Augusto Borges. A influência da opinião pública no desenvolvimento do projeto de crowdfunding Veronica Mars: uma apropriação controversa. Revista Eptic Online Vol.16 n.2 p.127-142 mai-ago 2014. <Disponível em:  https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/viewFile/2170/1950>. Acesso em 102 jul. 2018.

Práticas de Crowdfunding no Rio de Janeiro