Por Adriana Moreira | Dezembro/2018

A capa do livro “Jogos da Transformação”, editado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em comemoração ao marco de um ano para a Olimpíada de 2016, nos leva a  duas perguntas: a primeira, “De onde é a paisagem da foto na qual se observam os aros olímpicos em uma ampla área de lazer?”; a segunda, “Que competição teria sido realizada no local?”. Muitos poderiam arriscar para a questão inicial o “Parque Olímpico”, construído na Barra da Tijuca e considerado o coração dos Jogos Rio 2016 por reunir a maioria das provas do megaevento. No entanto, a resposta correta é o “Parque Madureira”, inaugurado em 2012, como o terceiro maior da cidade, atrás do Aterro do Flamengo e da Quinta da Boa Vista. E, mesmo tendo recebido, em 2015, a estrutura que representa o principal símbolo dos Jogos Olímpicos, o parque não sediou disputas esportivas, como também não houve qualquer tipo de competição em nenhuma localidade de Madureira.

Fonte: Brasil Turismo

Tais respostas provocam outras indagações acerca da (re)invenção da paisagem do bairro a partir da instalação dos aros olímpicos no Parque Madureira. Por isso, busco compreender a intervenção, por meio das narrativas publicitárias e das representações contidas, naquela época, no discurso da publicação oficial da Prefeitura do Rio. A “nova” paisagem mostra uma Madureira distante do imaginário popular em torno de suas próprias referências. Lembrado por seus moradores como “berço do samba carioca”, o bairro é também considerado o coração simbólico do subúrbio do Rio, onde as imagens que compõem o conjunto de representações e fazem parte da memória afetiva do local estão associadas a elementos ligados à cultura popular, ao comércio de preços baixos e à gastronomia de rua, como as quadras das escolas de samba da Portela e do Império Serrano, o Mercadão de Madureira e a Feira das Yabás, respectivamente.

Com base no conceito de Cauquelin (2007:81), de que a paisagem é um conjunto de valores ordenados por uma técnica de olhar, buscamos compreender como a cidade transforma seus cenários urbanos em enquadramentos criados pelo artifício da perspectiva. Para a filósofa francesa, a perspectiva – per scapere, aquilo que se abre – inaugura na pintura um novo regime ótico ao fixar uma ordem para seduzir a visão do espectador.

A questão não é definir qual paisagem melhor representa Madureira, pois isso depende do dispositivo de visibilidade aplicado ao contexto a que cada imagem se refere. A proposta é de uma breve reflexão em torno das possíveis intenções que motivaram a criação de uma imagem em função da estratégia de comunicação da Prefeitura do Rio para a produção de sentido e valorização do projeto de cidade transformada para o consumo global por meio da Olimpíada.

Desde que foi anunciada como sede do megaevento esportivo, o Rio virou um grande canteiro de obras a céu aberto ao longo dos sete anos que marcaram a sua preparação o megaevento. As mudanças urbanísticas foram inspiradas no modelo de Barcelona, sede dos Jogos Olímpicos em 1992. Além de oxigenar a economia e promover a recuperação de áreas consideradas degradadas, a cidade espanhola promoveu uma grande reestruturação arquitetônica que a tornou referência do chamado “legado olímpico”.

Para reforçar a sua inclusão no mapa mundial das “cidades-modelo”, o Rio buscou outras representações de sua imagem. A “Cidade Maravilhosa”, exaltada internacionalmente por suas belezas naturais, também passou a ser denominada pela Prefeitura como “Cidade Olímpica”. A expressão foi a marca publicitária da administração do então prefeito Eduardo Paes (2008-2016). Comentando sobre a importância do sentido para a marca, Semprini (2006:20) considera que o primeiro objetivo é a posição de um “projeto de sentido”. Assim, discursivamente, a marca como construção simbólica compartilhada é resultante de processos e estratégias que procura ser significante, além de construir uma identidade. Um dos principais atributos da marca “Cidade Olímpica” foram as reformas urbanas impulsionadas pelo megaevento para valorizar uma cidade transformada, moderna e desenvolvida.

Foi dentro desse contexto que Madureira foi inserida no conjunto das reformas urbanas, promovidas pelos Jogos Olímpicos Rio 2016, sob a justificativa de “melhorar a qualidade de vida dos moradores e tornar a cidade mais integrada e mais justa” (PREFEITURA DO RIO:2015:10). O livro apresenta o bairro como um lugar que “representa bem o legado dos Jogos, a integração da cidade, o renascimento de uma área abandonada e a transformação da vida das pessoas”. Mesmo sem ter sediado nenhuma competição esportiva, Madureira foi alvo de duas obras que são apresentadas como resultado dos esforços da Prefeitura do Rio para melhorar a cidade para o megaevento: a implantação do sistema integrado de ônibus BRT Transcarioca, que liga a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim; e o Parque Madureira, construído em um antigo terreno da Light (companhia de abastecimento de energia) e transformado em área de lazer com quadras de vôlei, basquete, futebol, pista de skate, ciclovia, além de espaços dedicados para cinema, teatro, shows e uso coletivo de computadores com biblioteca virtual.

Fonte: Flickr

A inauguração dos aros olímpicos no Parque Madureira foi realizada, em maio de 2015, em uma cerimônia com fogos de artifício com a presença do então-prefeito, Eduardo Paes, e de outras autoridades ligadas ao Comitê Olímpico Internacional, além de jornalistas brasileiros e correspondentes estrangeiros. A estrutura impressiona por sua dimensão. Construída em alumínio, tem cerca de quatro toneladas e mede 25 metros de comprimento e 12 metros de altura, o equivalente a um prédio de quatro andares.

O símbolo, que representa a união dos cinco continentes, foi doado pelo Reino Unido. Os aros decoraram a ponte Tyne, de Newcastle, uma das cidades onde foram disputadas partidas de futebol dos Jogos Olímpicos de 2012, realizados em Londres. Foi a primeira vez que uma doação desse tipo foi feita entre cidades-sede. Para trazê-los ao Rio, a Prefeitura contou com o apoio da Marinha do Brasil, que viabilizou o transporte de navio. A viagem durou cerca de 20 dias, entre janeiro e fevereiro de 2015. Em seguida, os aros passaram por pequenos reparos até a sua instalação no Parque Madureira. Durante os Jogos, a Prefeitura promoveu eventos gratuitos no local com shows e também colocou telões para que os moradores acompanhassem as transmissões das competições esportivas.

Tanto do ponto de vista geográfico quanto simbólico, Madureira está longe das referências associadas ao Rio de Janeiro, como a Praia de Copacabana, o Corcovado ou o Pão de Açúcar. São paisagens que, de tão consolidadas no imaginário coletivo e ao discurso, foram classificadas por Freitas, Lins e Carmo dos Santos como clichês por estarem recorrentemente presente na publicidade do país e, por extensão, da cidade (2013:11). Para os autores, estas imagens são mais eficazes para provocar uma identificação e a simpatia com o público, uma vez que acionam o emocional e os sentimentos de pertencimento por sistemas de significação e representação cultural.

Localizado a cerca de 30 quilômetros da orla, Madureira está às margens da linha do trem, na Zona Norte do Rio, onde o comércio de preços baixos, a cultura popular e a gastronomia de rua são algumas perspectivas mais comuns de sua paisagem. O bairro surge, como tantos outros denominados suburbanos, com a chegada do trem e a expansão da malha ferroviária no Rio de Janeiro. A expressão “sub-urbanos” indica que os locais foram criados distantes do centro econômico e cultural da urbe com a finalidade de retirar a população operária e de baixa renda que vivia ali e não se inseria no conjunto das reformas modernistas da cidade promovidas pelo então prefeito Pereira Passos, durante a presidência de Rodrigues Alves (1902-1906).

Para garantir um lugar de destaque no mercado internacional, as cidades (re)criam suas paisagens por meio de reformas que modificam os espaços, as suas representações e, por essa razão, alteram a perspectiva do olhar que fica submetido a novos enquadramentos. Não há dúvida de que o Parque Madureira é uma importante área de lazer para os moradores do bairro e de outras localidades adjacentes. O que era um antigo terreno abandonado, desde 2012 é um espaço público gratuito que oferece lazer, entretenimento, apresentações culturais e uma das melhores pistas de skate no país, de acordo com o esportista da categoria Bob Burnquist. A fotografia dos aros olímpicos no Parque Madureira publicada na capa da edição comemorativa do marco de um ano dos Jogos Rio 2016 ordena o olhar para a cidade planejada pelo megaevento. No entanto, a paisagem que encanta seus moradores continuará presente no cotidiano, nas ruas e, principalmente, na diversidade cultural do bairro.

Referências bibliográficas

CAUQUELIN, A. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins, 2007.

FERNANDES, N.N. O rapto ideológico da categoria subúrbio. Rio de Janeiro 1858-1945. Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.

FREITAS, R.F.; LINS, F. CARMO DOS SANTOS, M.H. Brasil em 8 minutos: a (re)apresentação do país na cerimônia de encerramento da Olímpia 2012. Anais da Compós: Salvador – Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação, 2013.

_________. Megaevento: uma lógica de transformação social. In:______. Megaeventos, comunicação e cidade. Curitiba: CRV, 2016.

Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Jogos da Transformação: Rio de Janeiro, 2015.

SÁNCHEZ, F. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2010.

SEMPRINI, A. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010.

 

 

 

 

 

Parque Madureira: a instalação dos aros olímpicos para consumo de uma paisagem (re) inventada do coração do subúrbio carioca