Por Helena Carmo* | Agosto/2018

A reconversão de espaços públicos é tendência nas grandes cidades mundiais. Isso representa, ao mesmo tempo, uma recuperação de áreas degradadas, desvalorizadas em virtude de mudanças de atividades econômicas, por exemplo, é uma oportunidade para reconfiguração das cidades que, ao reintegrarem essas regiões a uma geografia novamente produtiva, propiciam novos usos, novas apropriações, novos imaginários.

Há quase 30 anos, esse processo de reconversão em várias cidades tem como mola propulsora os Jogos Olímpicos, o principal megaevento esportivo mundial, um evento-mídia, com uma cobertura midiática global, que demandaria uma logística de grande impacto, com projetos de transformação da cidade-sede, que, desde os Jogos de Barcelona 1992, incluem a requalificação de espaços urbanos abandonados como um ponto importante do legado olímpico. A cidade se reinventa como uma economia de serviços ao mesmo tempo em que idealiza um “urbanismo olímpico” em que novos espaços culturais, de lazer e de entretenimento surgem como símbolos desse renascimento e são incorporados como novos cartões postais, atraindo turistas e investimentos.

Praça Mauá e Museu do Amanhã (foto tirada do Museu de Arte do Rio)

No Rio de Janeiro, os Jogos 2016 surgem como o momento para alavancar a transformação urbana da região portuária da cidade, um legado tangível do megaevento e que contribuiria para a construção do atributo intangível, qual seja, o orgulho local, com geração de emprego, melhoria da infraestrutura e incorporação da região no composto de ofertas de turismo da cidade.

    O projeto permitirá a realização de melhorias estruturais e a criação de instalações para os navios de cruzeiro, sempre com um foco turístico. Toda a área do porto, com seus prédios antigos e docas históricas, se tornará uma atração cheia de vitalidade, no coração do Rio. Importantes obras no setor de habitação, transporte e serviços públicos darão uma nova vida ao porto que será mais uma vez reintegrado ao centro da cidade. (Dossiê de Candidatura, 2009, p. 34)

Praça Mauá (destaque Edifício A Noite). Fonte: Blog O Globo (Ancelmo Gois)

O projeto Porto Maravilha reproduz uma lógica de revitalização de áreas centrais abandonadas pelo poder público e que precisam ser reincorporadas ao tecido social urbano, que incluem o planejamento de infraestruturas culturais e a criação de espaços públicos como locais de interação. No caso do Porto Maravilha, em alguma medida a Praça Mauá e adjacências vêm se tornando o “pulsar” dessa mudança na região. Afinal, lá estão os novos aparatos culturais Museu de Arte do Rio e Museu do Amanhã (este último foi o museu mais visitado do Brasil no primeiro ano de funcionamento) e o AquaRio, há poucos minutos da praça e do Píer Mauá, onde atracam os navios de cruzeiro.

A Praça Mauá e todo o Boulevard Olímpico (da qual a praça faz parte e que corresponde a uma orla de 3,5 Km de extensão, da Praça XV ao AquaRio) ganhou o máximo de visibilidade durante os Jogos Olímpicos 2016, considerado o maior live site da história dos Jogos, com programação de 80 shows durante o megaevento e plataforma para ativação de grandes marcas (Skol, NBA, Coca-Cola, Nike, Nissan, Samsung Galaxy, Bradesco Seguros) e as casas temáticas Brasil, Colômbia e México.

Em termos de empreendimentos imobiliários, a perspectiva era de prédios residenciais e corporativos, como Holiday Inn, Marriot e Porto Atlântico (Santo Cristo), o Vista Guanabara e a nova sede da L’Oreal (Gamboa), o Pátio da Marítima (em frente a Cidade do Samba) e o Port Corporate (Caju). O cenário atual difere das expectativas iniciais: “81,5% dos imóveis corporativos de alto padrão estão vagos, segundo levantamento da consultoria imobiliária internacional New Mark” (G1, 20/12/2017), além da não construção de prédios residenciais.

Ao longo do ciclo olímpico (eleição da cidade-sede e os Jogos Olímpicos), o Rio de Janeiro viveu a esperança de um renascimento da cidade e da sua zona portuária. Durante os Jogos, vivemos um “momento de efervescência” (MAFFESOLI, 2006, p. 132), em que os espaços se transformam em locais de sociabilidade, de ajuntamento (idem, p. 84) – e o Boulevard Olímpico fervilhava em atrações, em compartilhamentos de emoções. O porto, já “rebatizado” Porto Maravilha, vivia seu esplendor, reinventado pelo discurso Rio, Cidade Olímpica. Dois anos após os Jogos, os aparatos culturais mantém intensa atividade, mas há problemas com a prestação dos serviços básicos (limpeza pública, iluminação, segurança). O humor pré-olímpico de que a Cidade do Rio de Janeiro recuperaria sua importância e imagem local, nacional e internacional e de que o Porto Maravilha seria, sim, um símbolo desses novos ventos de prosperidade, ficou para trás. No Porto Maravilha, pós-Rio 2016, novos desafios se apresentam e precisam ser acompanhados – afinal, que legado ficará para a região e para a cidade?

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Praça Mauá durante Jogos Rio 2016 Fonte: CVI-Rio

Referências:

DOSSIÊ DE CANDIDATURA DO RIO DE JANEIRO A SEDE DOS JOGOS OLÍMPICOS E PARAOLÍMPICOS 2016. Disponível em

<http://www.rio2016.com/sites/default/files/parceiros/dossie_de_candidatura_v1.pdf>. Acesso em 8 ago. 2018.

GUALA, C. Per uma tipologia dei mega eventi. Bollettino della Società Geografica Italiana, serie XII, volume VII, 4, 2002.

MAFFESOLI, M. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

RJTV. Zona Portuária do Rio é a que mais tem prédios desocupados na cidade. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/zona-portuaria-do-rio-e-a-que-mais-tem-predios-desocupados-na-cidade.ghtml>. Acesso em 8 ago. 2018.

ROLNIK, Raquel. Palestra no evento “Cidades Rebeldes, Espaços de Esperança”, realizado no Cine Odeon, Rio de Janeiro, no dia 8/3/2016.

* Maria Helena Carmo é professora das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com doutorado em Comunicação pela UERJ  e mestrado em Comunicação pela ECO-UFRJ. 

De porto a Porto Maravilha. E agora, pós Rio 2016, como fica a região portuária do Rio de Janeiro?